Advogada venezuelana virou operadora de caixa em mercado de Boa Vista.
Nº de pedidos de refúgio de venezuelanos cresceu 110% em Roraima.
Carol
Formaniak, de 40 anos, se mudou de Ciudad Bolícar, na Venezuela, para
Boa Vista; hoje, ela, que é advogada especialista em direitos humanos,
trabalha como operadora de caixa (Foto: Inaê Brandão/G1 RR)
O agravamento da crise econômica na Venezuela está fazendo com que dezenas de venezuelanos migrem para
Roraima.
Sem opções de trabalho, muitos deles se veem obrigados a mudar de
carreira para arranjar emprego no Brasil e ajudar os familiares que
continuam no país fronteiriço ao estado.
"Aqui a minha vida é muito diferente", define a advogada venezuelana
Carol Formaniak, que saiu de Ciudad Bolívar, a quase 1000 KM de Roraima,
para viver em Boa Vista. No país natal, ela deixou para trás uma
história de luta pelos direitos de crianças e mulheres e agora trabalha
como operadora de caixa em um supermercado na zona Norte da capital.
Carol está entre os dezenas de venezuelanos que deixaram o país em
busca de uma 'vida melhor'. Conforme dados da Polícia Federal, só nos
primeiros sete meses deste ano 493 venezuelanos pediram refúgio no
estado.
O número é 110% maior que os 234 pedidos recebidos ao longo de todo o ano de 2015.
Especialista em direitos humanos, a venezuelana conta que decidiu vir
para o Brasil em outubro de 2015. À época, era diretora executiva de uma
instituição voltada aos direitos das mulheres e e ganhava o equivalente
a cinco salários mínimos..
Guardei todos os meus sonhos porque tenho filho e não queria que nós estivéssemos na Venezuela neste grave momento"
Carol Formaniak, advogada venezuelana
"Eu dava palestras em todo o estado, mas guardei todos os meus sonhos
porque tenho filho e não queria que nós estivéssemos na Venezuela neste
grave momento. A situação lá é muito crítica. Então, deixei minha casa
para trás e vim embora para cá no dia 20 de outubro de 2015", relembra
Carol.
Apesar de ser filha de brasileiro e ter dupla nacionalidade, a advogada
conta que enfrentou dificuldades para se empregar em Roraima.
Inicialmente, ela tentou trabalhar como advogada, mas como não revalidou
o diploma no Brasil, se viu obrigada a assumir a função de operadora de
caixa.
"Primeiro, eu entregava meu currículo, com todas as especializações,
cursos e experiências que tenho, mas depois de dois meses buscando
trabalho, comecei a tirar tudo do meu currículo. Fiz isso chorando, mas
foi a única maneira que consegui de achar o emprego que estou hoje",
conta.
No atual emprego, Carol ganha um salário mínimo que usa para sustentar a
si, ao filho e para ajudar o marido que continua vivendo em Ciudad
Bolívar. Mesmo com a formação em nível superior, garante que exerce o
mesmo trabalho que as colegas de profissão.
"Não me sinto diferente das outras meninas que trabalham comigo. Não
ganho a mais pelo que faço, mas estou em busca de outro trabalho. Eu não
me rendo, estou lutando", garante.
Formado
em engenharia industrial, Reinier Salazar, de 30 anos, trabalha como
garçom em restaurantes de Boa Vista (Foto: Emily Costa/ G1 RR)
Assim como Carol, o venezuelano Renier Salazar, de 30 anos, que morava
em Puerto Ordaz, a mais de 800 KM de Roraima, também teve de mudar de
carreira para se empregar em
Boa Vista.
Ele é formado em engenharia industrial pela Universidad Nacional
Experimental de Guayana (Uneg), mas hoje trabalha como garçom em
restaurantes da capital.
"A situação na Venezuela é muito crítica. Lá eu cheguei a trabalhar
como engenheiro, mas não há condições de viver no país. Na Venezuela não
tem comida e por mais que eu tenha emprego o dinheiro lá não dá para
comprar coisas básicas como alimentos e produtos de higiene", afirma
Salazar que é casado com uma engenheira venezuelana que também está
trabalhando como garçonete em Roraima.
Refugiado, o chef de cozinha Julio Pino, de 26
anos, decidiu buscar oportunidades de trabalho em
Boa Vista (Foto: Emily Costa/ G1 RR)
Oportunidades de trabalho
Terra de mudanças para alguns e de crescimento profissional para
outros, Boa Vista também foi escolhida como lar pelo chef Julio
Alejandro Marcono Pino, de 26 anos, e pela manicure Márcia Mata, de 40
anos. Ambos deixaram a
Venezuela para buscar oportunidade de trabalho em Roraima.
"Vim aprender mais sobre a culinária da Amazônia, sobre os pratos
daqui. Espero aprender tudo o que puder, e depois continuar viajando
pelo Brasil. Na Venezuela eu não teria oportunidades como essa, porque
lá não tem a matéria-prima do cozinheiro, que é a comida", afirma.
As longas filas para comprar comida na Venezuela foram um fator
determinante para a manicure Márcia Mata se mudar para Roraima em busca
de trabalho. Ela mora há sete meses na capital e conta que um dos
motivos que a levaram pedir refúgio no Brasil foi o dia em que passou
mais de 18 horas em uma fila para comprar açúcar, óleo e arroz.
Com o salário de manicure, Márcia Mata, de 40
anos consegue manter os filhos no Brasil e
na Venezuela (Foto: Emily Costa/ G1 RR)
"Sou da República Dominicana, mas morava na Venezuela desde muito
pequena. Sempre vim a Boa Vista para buscar atendimento médico para o
meu filho caçula, mas há sete meses decidi vir de vez para cá. Consegui
emprego e o que ganho aqui dá para ajudar meu filho que veio morar
comigo e sustentar minhas duas filhas e meu marido que continuam na
Venezuela", explica.
Refugiados
Dados divulgados pela PF mostram que os pedidos de refúgio de
venezuelanos cresceu 110% em Roraima. Em 2015, a polícia recebeu 234
pedidos de refúgio, enquanto que só nos primeiros sete meses deste ano,
recebeu 493 pedidos de venezuelanos que querem morar em Roraima.
Além dos pedidos legais, a PF tem percebido o aumento "sensível" de
venezuelanos em situação ilegal em Roraima. Reflexo disto é que só nos
últimos 12 meses, mais de 300 venezuelanos foram deportados do estado.
Em uma dessas ações, cerca de 60 venezuelanos foram devolvidos ao país
vizinho. Parte deles pedia esmolas nas ruas e semáforos da capital
roraimense, o que é incompatível com a entrada de estrangeiro do Brasil
na condição de turista.
Em julho de 2015, a PF encontrou 16 mulheres venezuelanas trabalhando
em casas de prostituição em Boa Vista. À época, a polícia informou que
elas tinham vindo por conta própria a Roraima, onde se prostituiam e
pagavam 20% do que ganhavam aos donos das casas.