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sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Doação de órgãos ainda sofre preconceito nas famílias

A não autorização aumentou no Brasil e, no Maranhão, 72% das famílias se recusam a doar órgãos de parentes; barreira cultural é um dos motivos dessa situação

Foto: Divulgação
SÃO LUÍS - O número de famílias que não autorizam a doação de órgãos e tecidos de parentes com diagnóstico de morte encefálica aumentou significativamente no Brasil. Em sete anos, a taxa de recusa familiar dobrou, saltando de 22% em 2008 para 44% em 2015, segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos
(ABTO). No Maranhão, segundo dados da Central Estadual de Transplante, 72% das famílias não autorizam a doação de órgãos de seus parentes, índice maior que a média nacional. A falta de compreensão da morte encefálica e a barreira cultural são alguns dos motivos do aumento da não doação de órgãos.

Atualmente, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde (SES), 971 pessoas aguardam por transplante no Maranhão. Deste total, 812 aguardam doação de córnea e 159 de rim, sendo esses os únicos procedimentos realizados no estado.

A Central Estadual de Transplante trabalha para fortalecer os serviços e sensibilizar a população para a importância da doação de órgãos. Atualmente, a Central de Transplantes do Maranhão, vinculada à Secretaria de Saúde do Estado, funciona no Hospital da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA) – Unidade Presidente Dutra, localizado no centro de São Luís.

O consentimento informado é a forma oficial de manifestação à doação. A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica depende da autorização do cônjuge ou parente maior de idade, obedecida a linha sucessória, firmado em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte. É a chamada doação consentida.
Mudança na legislação
Até 2001, havia a chamada doação presumida, pois, segundo a legislação, todo cidadão brasileiro era doador e para que a doação não ocorresse era preciso informar em sua Carteira de Identidade não ser doador de órgãos e tecidos. “Mas a lei foi revista, porque a ideia de doação presumida causava muito medo na população e a doação consentida tornou o procedimento mais sério na visão das famílias”, informa Ana Cleyde Carneiro Lima, psicóloga da Central Estadual de Transplante.

O estudo conduzido por pesquisadores da Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mapeou as razões da recusa familiar. O principal motivo identificado pela pesquisa é que boa parte das famílias (21%) não compreendeu o conceito de morte encefálica. O diagnóstico de morte encefálica é definido como morte baseada na ausência de todas as funções neurológicas. “Para se chegar a esse diagnóstico, são feitos três exames, com intervalo de 6 horas entre eles. O primeiro é um exame clínico feito por um médico intensivista, depois um exame neurológico e por último um exame de imagem”, explica Ana Cleyde Carneiro Lima.
Barreira cultural
Ainda segundo Ana Cleyde Carneiro Lima, existe uma barreira cultural que leva as famílias a recusarem a doação. “As pessoas desconhecem o procedimento da doação e isso faz com que elas não autorizem.

Além disso, vivemos em um estado onde as condições sociais e culturais não favorecem essa postura. O estado com menor índice de rejeição à doação é Santa Catarina, que é um estado onde as condições de saúde e de vida são melhores que no Maranhão”, comenta.

O estudo mostrou ainda que 19% das famílias recusam a doação por causa de crenças religiosas e outros 19% responsabilizaram a falta de competência técnica da equipe hospitalar, o que é confirmado por Ana Cleyde Carneiro Lima. “Infelizmente, a gente precisa conversar com a família em um momento muito traumático para ela, que é a perda de uma pessoa querida. Quan­to melhor é o acolhimento que essa família recebe no ambiente hospitalar, mais fácil a doação. E quando falamos de atendimento, não falamos apenas da questão técnica da unidade, mas, sobretudo, do atendimento humano”, afirma.
Gratidão pela possibilidade de ter uma nova vida
Quem conhece bem a importância e é grata a esse gesto de solidariedade é a psicóloga Claudineide dos Santos. Hoje, ela tem 34 anos, mas aos 21 anos foi diagnosticada com lúpus, uma doença autoimune que pode afetar principalmente pele, articulações, rins, cérebro, mas também todos os demais órgãos.

“Quando eu fui diagnosticada, descobri que tinha também insuficiência renal”, informa. A insuficiência renal é a perda súbita da capacidade dos rins filtrarem resíduos, sais e líquidos do sangue.

Ela passou um ano e oito me­ses fazendo tratamento, mas sem avanços foi encaminhada para a hemodiálise, que é um procedimento por meio do qual uma máquina limpa e filtra o sangue, ou seja, faz parte do trabalho que o rim doente não pode fazer. “Fo­ram três anos e oito meses fazen­do hemodiálise e à espera de um rim para o transplante”, lembra Claudineide dos Santos.

Inicialmente, ela receberia um rim de doador vivo, que seria sua mãe, mas após quase quatro anos de espera sua mãe não pode mais doar e ela contou com a solidarie­dade de uma família que perdeu um ente querido e autorizou a doação dos órgãos. “O transplante não é uma cura, mas outra possibilidade de tratamento com a qual eu recuperei minha qualidade de vida. Estou transplantada há sete anos e hoje posso estudar e trabalhar, o que eu não tinha condições de fazer de receber a doação”, conta.
SAIBA MAIS
Hoje, 46% das famílias brasileiras não autorizam a doação de órgãos e tecidos de parentes com diagnóstico de morte encefálica, índice menor que a média maranhense, 72%, conforme dados da Central Estadual de Transplante.
Como ser doador?
Para ser doador não é necessário deixar nada por escrito, mas é fundamental comunicar à sua família o desejo da doação. A doação de órgãos e tecidos é regida pela Lei nº 9.434/97. É ela quem define, por exemplo, que a retirada de órgãos e tecidos de pessoas mortas só pode ser realizada se precedida de diagnóstico de morte cerebral constatada por dois médicos e sob autorização da família.
Após o diagnóstico de morte encefálica, a família deve ser consultada e orientada sobre o processo de doação de órgãos. A entrevista deve ser clara e objetiva, informando que a pessoa está morta e que, nesta situação, os órgãos podem ser doados para transplante. Esta conversa pode ser realizada pelo próprio médico do paciente, pelo médico da UTI ou pelos membros da equipe de captação, que prestam todas as informações que a família necessitar. Este assunto deve ser abordado em uma sala de ambiente calmo, com todas as pessoas sentadas e acomodadas
Que tipos de doador existem?
Doador vivo - Qualquer pessoa saudável que concorde com a doação de órgãos múltiplos, cuja retirada não afete a estética do doador.
Doador cadáver - Pacientes com morte cerebral, geralmente vítimas de traumatismo craniano ou AVC (derrame cerebral). A retirada dos órgãos é realizada em centro cirúrgico como qualquer outra cirurgia.

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