Juliana Vieira/Especial para O Estadoma.com
Conheça
o contexto histórico e os motivos que estão por trás da criação de
quatro lendas bastante conhecidas pela população ludovicense
As
lendas são parte importante no processo de construção da identidade
social de uma comunidade. No estado do Maranhão, terra de grande riqueza
cultural, há variedade de lendas que são passadas de geração a geração.
Carruagem de Ana Jansen, Manguda, Serpente da Ilha e Milagre de
Guaxenduba, são algumas lendas tipicamente maranhenses.
A maioria
de nós – quando crianças, principalmente – já ouviu algumas dessas
lendas. Mas saiba que as lendas não são apenas histórias inventadas sem
qualquer razão. Elas possuem um objetivo, compreendido a partir da
análise de seu contexto histórico, do momento em que foram criadas. Para
discorrer sobre o assunto, conversamos com Rodrigo do Norte,
historiador e guia turístico em São Luís.
Lenda da Manguda
Diz
a lenda que, no final do século XIX, um fantasma assombrava a região
onde fica a Praça Gonçalves Dias. Os que afirmavam tê-lo visto, contam
que era muito branco e possuía uma estranha luz no lugar onde seria a
cabeça.
Rodrigo do Norte explica o porquê da invenção dessa lenda:
“Nós tínhamos [em São Luís] um porto no Jenipapeiro, lá onde é o SOAMAR
hoje. Aquele porto era um dos mais distantes e por isso ele era muito
utilizado para contrabando.” Em Jenipapeiro, os contrabandistas não
precisavam se preocupar com o pagamento de impostos, mas, sim, com as
visitas inoportunas de alguns curiosos. Por causa disso, os
defraudadores começaram a divulgar estórias de assombrações. Nesse
momento surge a Lenda da Manguda.
“Eles [os contrabandistas] se
fantasiavam de fantasma com um lençol. Então as pessoas começaram a
espalhar: ‘olha, não vai ali, que tem uma Manguda!’”, narra Rodrigo. E
completa: “As lendas têm um objetivo. Nesse caso do Jenipapeiro, era de
espantar os curiosos”.
Lenda da Carruagem Encantada da Ana Jansen
Apesar
de muito conhecida em nosso estado, alguns maranhenses conhecem Ana
Jansen apenas como sendo um personagem de lenda, fruto da imaginação.
Contudo ela, na verdade, existiu. Morou em São Luís, no século 19, e foi
uma mulher muito mal falada.
“É muito importante colocar a Ana
Jansen no contexto. A Ana Jansen era uma mulher à frente do seu tempo.
Foi uma comerciante riquíssima, casou duas vezes – e era um preconceito
enorme você casar duas vezes! –, era mãe solteira... Isso, para aquela
sociedade, incomodava muito. Além disso, os homens ficavam loucos de
ódio, porque ela tinha uma influência muito grande na política”, conta
Rodrigo.
“Outra coisa que as pessoas contam muito sobre Ana
Jansen: ‘Ela andava sobre os escravos, matava os escravos... ’. Comprar
um escravo era caríssimo! Ninguém andava matando escravo assim”,
assegura Rodrigo. Sobre os maus tratos contra escravos, dos quais ela
era frequentemente acusada, ele diz: “Ela maltratava escravo assim como
toda a sociedade brasileira maltratava, não era exclusividade dela. A
escravidão foi um negócio horrível. O escravo comia mal, dormia mal, o
tempo de vida dele era de 35 anos, no máximo! Então falar que Ana Jansen
maltratava escravo era colocar as outras pessoas como santas. Todo
mundo maltratava escravo, então por que só ela que pegava a fama? Por
causa do incômodo de ter uma mulher que mandava na política”, afirma
ele.
Se, quando viva, Ana Jansen já era difamada, depois de sua
morte a situação ficou ainda pior. “Começaram a dizer que ela aparecia
lá [no porto do Jenipapeiro] numa carruagem com mula-sem-cabeça, tudo
com o intuito de afastar os curiosos.”
Lenda da Serpente da Ilha
Segundo
Rodrigo, existem dois tipos de galerias no Centro Histórico de São
Luís: as de captação de água da chuva e escoamento pluvial – que são as
maiores, com mais ou menos 1500 metros – e as de captação da água que
brotava nas fontes do Ribeirão e das Pedras.
Diz a lenda que uma
serpente enorme habitava as galerias: a cauda do animal estaria na
igreja de São Pantaleão, a barriga na igreja do Carmo e a cabeça na
Fonte do Ribeirão. Segundo a estória, quando a cabeça encontrasse a
cauda, a Ilha de São Luís afundaria. “Inventou-se essa lenda porque
essas galerias maiores, as de 1500 metros, eram usadas por
contrabandistas e, às vezes, para fuga de escravos fujões, e também para
encontros amorosos. Então, pra evitar que as pessoas usassem essas
galerias, criaram lendas desse tipo. Essa é uma das explicações”,
elucida Rodrigo.
Ainda sobre as galerias, sobre o burburinho de
que os padres as utilizavam, pois, após a realização da missa na Igreja
da Sé, rapidamente apareciam na Igreja do Carmo, sem serem vistos
caminhando pelas ruas da cidade, Rodrigo diz que foi desmistificado.
“Durante a reforma [Projeto Reviver], não foi encontrado nenhum tipo de
galeria ligando as duas igrejas”, afirma ele.
Lenda do Milagre de Guaxenduba
A
lenda narra um episódio miraculoso ocorrido durante o principal combate
entre portugueses e franceses, ocorrido no dia 19 de abril de 1614, no
forte de Santa Maria de Guaxenduba, localizado na ilha de São Luís,
próximo ao município de São José de Ribamar. Quando os portugueses
estavam à beira da derrota, surgiu entre eles uma mulher envolta em
auréola resplandecente. Com as mãos, ela transformou a areia em pólvora e
os seixos em projéteis. Assim, os portugueses conseguiram vencer a
batalha.
“O contexto histórico da Batalha de Guaxenduba e da lenda
é a contrarreforma. A Igreja Católica tinha perdido muitos fiéis com a
reforma protestante. O protestantismo estava crescendo, arrebanhando
muita gente. Então era interessante para ela [Igreja Católica] divulgar
milagres”, explica Rodrigo.
Em homenagem a Nossa Senhora, a quem foi atribuído o milagre, a Igreja da Sé foi denominada Igreja Nossa Senhora da Vitória.
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