Flaubert Brutus foi abordado por homem em posto de gasolina em Canoas.
Após 'discriminação', ele diz ser bem tratado pela maioria dos brasileiros.
Flaubert abastece carro durante o trabalho no posto de combustíveis (Foto: Felipe Truda/G1)
O haitiano Flaubert Brutus se destaca entre os sete frentistas
estrangeiros que trabalham em um posto de combustíveis no centro de
Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Não apenas pela
notoriedade que ganhou após aparecer em um vídeo sendo abordado e ironizado
por um homem enquanto trabalhava, mas também pelo constante sorriso no
rosto e a disposição com a qual exerce a profissão. O semblante, no
entanto, se fecha quando ele é questionado sobre o episódio que o deixou
conhecido.
Ele me fez discriminação porque sou estrangeiro"
Flaubert Brutus
"Não me sinto muito bem. Ele 'me fez discriminação' porque sou
estrangeiro", desabafa, com a dificuldade em juntar as palavras de quem
recém chegou ao país e ainda não domina o idioma.
Apesar de não esconder a tristeza ao relatar a situação pela qual
passou, Flaubert exalta as várias manifestações de apoio que vem
recebendo e que já o fizeram entender que o autor da "discriminação" é
exceção à regra. "Tem mais brasileiros que gostam de estrangeiros. O
Brasil é bom, o Brasil é bom para mim", diz, trocando o semblante sério
novamente por um sorriso.
O vídeo divulgado na semana passada teve mais de 16 mil
compartilhamentos no Facebook. Nele, um homem aparece vestido com roupas
camufladas e um símbolo semelhante ao do Batalhão de Operações
Policiais Especiais (Bope) do Rio de Janeiro no peito, além de um boné
estampado com a bandeira do Brasil. Ele pergunta ao frentista de onde
ele é e, após ouvir que é haitiano, ironiza o fato de o estrangeiro ter
conseguido emprego no Brasil, enquanto o funcionário enche o tanque do
carro.
Flaubert acredita que a maioria dos brasileiros
é simpática aos imigrantes (Foto: Felipe Truda/G1)
é simpática aos imigrantes (Foto: Felipe Truda/G1)
"Aqui tem um dos milhares de haitianos trazidos pelo governo comunista
da Dilma Rousseff enquanto milhares, só no mês passado, de brasileiros,
perderam o emprego no Brasil. Parabéns, irmão, você é muito competente.
Aqui no Brasil, são todos incompetentes", diz o homem na filmagem. O
gerente de vendas Daniel Barbosa, de 42 anos, assumiu ser quem aparece
nas imagens, mas negou ter cometido qualquer tipo de xenofobia.
Flaubert não compreende os motivos alegados por Daniel. "Ele me falou
que tem haitianos que vêm para cá, e que no Brasil não tem trabalho, e
que no mês passado tem 'muito brasileiro e brasileira' que perdeu o
trabalho. Não sei por quê. 'Me fez discriminação'", lamenta.
Flaubert conversou com o G1 no intervalo do seu
horário de trabalho. Pouco antes, corria por entre as bombas de
gasolina, sempre atento ao movimento dos carros que chegavam para
abastecer. Falava com os colegas estrangeiros – todos também haitianos –
e se esforçava para se comunicar com clientes e colegas brasileiros.
O imigrante parecia um tanto constrangido durante a conversa com a
reportagem, quando aparentava estar envergonhado por não entender as
perguntas. "Falo português pouco", confessou. Mas o conhecimento
limitado do idioma era compensado pelo esforço para se comunicar. Com o
forte sotaque e usando algumas palavras em espanhol e francês, ele
contou que sonha trazer ao país a mulher e os dois filhos.
Não é raro ver Flaubert sorrir enquanto trabalha
no posto em Canoas (Foto: Felipe Truda/G1)
no posto em Canoas (Foto: Felipe Truda/G1)
"Quando vim para cá, deixei minha mulher. Tenho duas crianças, uma
filha de dois anos e um filho de um mês que não conheci. Deixei a mulher
grávida, e ela deu à luz mês passado. Vou voltar e trazer eles para
cá", conta, empolgado.
Faz cinco meses que Flaubert chegou a Balneário Camboriú, no litoral de
Santa Catarina. Depois de três meses sem conseguir emprego, veio para
a Região Metropolitana de Porto Alegre e começou a trabalhar no posto.
Usa parte do dinheiro para sobreviver e envia o que sobra aos
familiares. "Este posto me traz felicidade. Foi meu primeiro emprego
aqui", relata.
O gerente do estabelecimento, Volmir Martins da Silva, diz estar
satisfeito não somente com o trabalho de Flaubert, mas com todos os
haitianos que trabalham lá. "Eles se adaptaram muito bem. São tratados
de maneira igual, ganham o mesmo salário que os brasileiros. Eles estão
felizes aqui", diz o gerente.
Silva não estava no posto quando o vídeo com as ironias a Flaubert foi
gravado. Ele garante que, se estivesse no local, teria impedido Daniel
de importunar o colega. "Foi bem na hora que tínhamos saído", lamentou.
Assim como Flaubert, Adlen trabalha para ajudar
mulher e filhos no Haiti (Foto: Felipe Truda/G1)
Cidade tem outros estrangeirosmulher e filhos no Haiti (Foto: Felipe Truda/G1)
A presença de trabalhadores estrangeiros não fica limitada ao posto onde Flaubert e seus colegas trabalham. Em uma lanchonete em frente ao estabelecimento, o haitiano Noel Adlen frita ovos e hambúrgueres para sobreviver e, assim como o compatriota, enviar dinheiro à mulher e aos filhos no Haiti. Ele chegou ao país há seis meses, junto com o irmão, que também é funcionário do estabelecimento, mas no turno invertido.
"Tenho seis meses fazendo serviço com ele. Fazemos nosso trabalho e somos pagos sem problemas", conta.
Adlen e o irmão viajaram ao Brasil aconselhados por outro irmão, que vive em Brasília. "Tenho um irmão que está em Brasília há quatro anos e faz serviço em uma companhia de obras. Ele me mandou vir para cá", conta.
Assim como Flaubert, Adlen tem uma boa relação com os colegas. "Eles se adaptam rápido", diz o gerente da lanchonete, Julio César Caminha da Rosa. "São trabalhadores, pontuais e educados. Se fossem todos assim, nós só contrataríamos haitianos", brinca.
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