Greve dos Caminhoneiros
Especialistas defendem mais investimentos em ferrovias e hidrovias.
Alex Rodrigues / Agência Brasil
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BRASÍLIA
- Ao longo da última semana, o medo de que faltassem alimentos,
combustíveis e transporte público tirou o sossego de parte da população,
alterando a rotina das cidades e afetando diversos setores. Com
milhares de caminhões carregados parados ao longo das rodovias, ficou
evidente a dependência do país em relação ao transporte rodoviário.
Dependência que especialistas ouvidos pela Agência Brasil
afirmam revelar outros graves problemas estruturais, como a falta de um
plano de contingência que evite a asfixia da atividade produtiva e
impeça o apagão logístico ante uma greve de caminhoneiros.
Para
a superintendente da Associação Nacional dos Transportes de Passageiros
Sobre Trilhos (ANPTrilhos), a economista Roberta Marchesi, e a diretora
do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio
Vargas (FGV-Ceri), Joisa Dutra, alguns dos atuais gargalos da
infraestrutura de transporte nacional são reflexos da opção feita pelo
Estado brasileiro na década de 1950, quando os governantes decidiram
priorizar os investimentos na indústria automobilística.
Consequentemente, recursos públicos dos três níveis de governo foram
quase que integralmente canalizados para a ampliação da malha
rodoviária, em detrimento dos transportes por ferrovia e hidrovia.
Com
uma malha ferroviária para cargas e passageiros que não chega a 30 mil
quilômetros de extensão, o Brasil está atrás, até mesmo, da Argentina.
Com um território de 2,7 milhões de quilômetros quadrados (o equivalente
à soma dos territórios do Amazonas e do Pará), o país vizinho conta com
36.917 quilômetros de trilhos. Já os Estados Unidos dispõem de uma
malha de cerca de 294 mil quilômetros. Mesmo a Índia, com um território
equivalente a quase metade do brasileiro, conta com mais de 68 mil
quilômetros de trilhos.
“A crise que estamos
assistindo é, em grande parte, fruto do caos logístico decorrente da
concentração do transporte de cargas e de passageiros em um único
modal”, disse à Agência Brasil a economista Roberta Marchesi,
superintendente da Associação Nacional dos Transportadores de
Passageiros Sobre Trilhos (ANPTrilhos).
Integração de modais
Pós-graduada
nas áreas de planejamento e logística, Roberta aponta os riscos de que
boa parte da atividade econômica brasileira dependa de um único meio de
transporte. “Se tivéssemos uma malha ferroviária e estes alimentos e
combustíveis pudessem ser levados até os centros urbanos por trens,
minimizaríamos o impacto desta crise. Nosso desenvolvimento não pode
estar estruturado sobre um único modal.”
Para
Joisa, ao mesmo tempo em que torna imprescindível a elaboração de um
plano anticrise, a concentração do transporte de passageiros e de cargas
em um único modal dificulta a execução deste mesmo plano de
contingência. A diretora do Ceri também defende a ampliação da malha
ferroviária e a integração entre os diferentes meios de transporte.
“Sob
determinadas condições, o [investimento no] modo ferroviário seria
desejável. Não só isso. Seria necessária uma maior integração [da
infraestrutura de transportes], o que envolve uma combinação de modais”,
defendeu Joisa.
Projeto de Estado
De
acordo com Roberta Marchesi, os projetos de ferrovia e hidrovia são de
longo prazo e exigem continuidade entre governo sucessivos. “Seriam
necessários projetos de Estado. Um plano de desenvolvimento estruturante
que transcendesse os mandatos políticos”, comentou. Segundo ela, apenas
6% dos deslocamentos diários de passageiros são feitos por trens,
metrôs, veículos leves sobre trilho (VLT) ou outros modais sobre
trilhos.
“Os governantes preferem investir
em empreendimentos que possam ser inaugurados dentro dos seus quatro
anos de governo. Neste espaço de tempo, não é possível começar do zero e
inaugurar um sistema completo, a menos que ele já estivesse estruturado
e com projeto pronto”, acrescentou a superintendente da ANPTrilhos,
criticando “soluções imediatistas que não respondem às reais demandas
das cidades e de seus cidadãos”.
Roberta
Marchesi compara com a infraestrutura dos países mais ricos, quando se
trata do transporte urbano. De acordo com ela, o metrô de São Paulo, o
maior do país, percorre cerca de 74 quilômetros de trilhos, enquanto o
de Nova York (EUA) chega a integrar quase 400 quilômetros.
Mesmo
em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, a participação do
transporte metroferroviário não ultrapassa 20% do total de viagens de
passageiros. “Em países desenvolvidos que mantiveram investimentos na
indústria ferroviária, esses deslocamentos chegam a 45% do total de
viagens. Ainda temos muito o que avançar”, disse a superintendente.
Ao
tomar posse hoje, o novo ministro da Secretaria-Geral da Presidência,
Ronaldo Fonseca, disse que o governo planeja três leilões de ferrovias
ainda este ano. Fonseca afirmou que o Brasil precisa acabar com a
dependência do transporte rodoviário. “O segundo semestre será o momento
das ferrovias no Brasil”, afirmou.
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