Ferdi Shan fugiu de Damasco para não defender Bashar al-Assad. Atualmente, jovem e o irmão trabalham como cabeleireiros na cidade.
A vida no Brasil faz um dos milhares dos refugiados sírios que
escaparam do regime do ditador Bashar al-Assad lembrar de um dos
provérbios conhecidos no seu país: "Não odeie algo que te aconteceu,
porque, às vezes, há coisa boa nisso". Há dois anos, Ferdi Shan, de 22
anos, se viu obrigado a abandonar a vida que tinha no país natal. Ele se
estabeleceu em Sorocaba, interior de São Paulo, e hoje comemora ter
conseguido reconstruir a rotina que deixou ao sair de Damasco, capital
da Síria, com o diferencial de não viver mais sob o medo da guerra. O G1 acompanhou o dia a dia do refugiado, que trabalha em um salão de cabeleireiro da cidade. (Veja vídeo acima)
Acompanhado do primo – que ficou pouco tempo no Brasil – e do irmão
mais velho, Abod Shan, de 25 anos, Ferdi conseguiu chegar a São Paulo no
final de 2013, após ter vivido quase dois anos na Jordânia, país
vizinho à Síria. É nesse país que, ao lado do irmão, Ferdi revê a caçula
da família, casada com um jordaniano, e os pais, que ainda vivem em
Damasco. "E jamais devem sair de lá", enfatiza.
Ferdi explica que é difícil imaginar a dimensão da guerra civil quando
se está na capital do país – já que nem todos os bairros de Damasco
estão na mira dos grupos pró e contra Assad, explica ele. Mas em cidades
como Kobani, ocupada pelos terroristas do Estado Islâmico (EI) e que
fica perto da fronteira com a Turquia, bombardeios são comuns.
Abdo e Ferdi Shan trabalham juntos em um salão
(Foto: Julia Garcia/G1)
(Foto: Julia Garcia/G1)
"Meus pais continuam trabalhando e vivendo normalmente na Síria porque a
guerra não os afeta tanto. Claro que há o medo. Mas eles pertencem
àquele país".
Vida no Brasil e casamento
Após desembarcarem em São Paulo para encontrar um casal de amigos que os ajudaria, os irmãos seguiram para Sorocaba (SP). Uma semana depois, ainda sem dominar o idioma brasileiro, Ferdi foi apresentado a José Márcio Julião, dono de um salão de cabeleireiros localizado no bairro Santa Rosália. Foi lá que ele conseguiu seu primeiro emprego como ajudante.
Após desembarcarem em São Paulo para encontrar um casal de amigos que os ajudaria, os irmãos seguiram para Sorocaba (SP). Uma semana depois, ainda sem dominar o idioma brasileiro, Ferdi foi apresentado a José Márcio Julião, dono de um salão de cabeleireiros localizado no bairro Santa Rosália. Foi lá que ele conseguiu seu primeiro emprego como ajudante.
Quase dois anos depois e com o português mais "afiado", o sírio é
preferência de grande parte dos clientes, segundo Julião. "Nos
entendíamos por gestos e com o tempo, ele foi aprendendo uma palavra ou
outra em português. O Ferdi tem muita força de vontade. Só tem um gênio
difícil, mas isso a gente consegue contornar", comenta.
Ferdi e Barbara se casaram após dois meses
de namoro (Foto: Reprodução/Facebook)
Mais confortável na cidade após
conseguir o emprego, Ferdi levou o irmão, Abod, para também ensinar o
ofício. Foi nessa época que o jovem, já encantado com a hospitalidade
brasileira, se apaixonou também pela beleza da sorocabana Barbara
Duarte, com quem casou dois meses depois do primeiro encontro.de namoro (Foto: Reprodução/Facebook)
"Ela era sobrinha de um conhecido e nos apaixonamos. Pode parecer rápido, mas na Síria é assim que acontece. Estávamos muito envolvidos. Não tinha motivo para esperar mais", afirma.
Sobre a diferença cultural entre árabes e brasileiros, Ferdi admite que os pais não ficaram confortáveis com a união, mas afirma que nenhum deles o impediu de se unir à Barbara. "Meus pais não entendem muito bem a cultura do Brasil, mas respeitam minhas decisões", avalia.
Abod reafirma as aspas do irmão, explicando que ele mesmo, quando
estava na Síria, imaginava que o Brasil era bem diferente do que
conheceu. "A visão do Brasil na Síria é deturpada. Só se fala na
violência, prostituição. O Brasil de verdade não é assim. Nossos pais
talvez não entendam", destaca.
Volta à Síria
Apesar de ter ganho uma "vida nova" no Brasil, Shan sabe que jamais poderia voltar à Síria. "Meu nome está na lista de fugitivos do governo. Se um dia eu tentar entrar na Síria novamente, as autoridades vão me matar. Não tem conversa, não tem prisão. A pena será a morte", explica ele ao G1.
Apesar de ter ganho uma "vida nova" no Brasil, Shan sabe que jamais poderia voltar à Síria. "Meu nome está na lista de fugitivos do governo. Se um dia eu tentar entrar na Síria novamente, as autoridades vão me matar. Não tem conversa, não tem prisão. A pena será a morte", explica ele ao G1.
A situação do irmão mais velho de
Ferdi não é tão séria. Como Abod serviu o Exército por volta de 2007,
quando o país ainda não vivia o conflito que já deixou pelo menos
240.381 mortos desde 2011, de acordo com dados do Observatório Sírio
para os Direitos Humanos (SOHR), ele pode voltar para a Síria quando
quiser. Mas precisará defender o presidente nas forças armadas.
"Esse é só um dos motivos de eu ter dúvida sobre se um dia voltarei
[para a Síria]. Se voltasse, tudo seria diferente. Meus amigos
desapareceram, foram mortos ou fugiram para outros países. Minha vida
mudou", explica Abod.
Das lembranças que leva consigo, uma tira o sono do refugiado: ele
chegou a ser alvo de ataques terroristas enquanto andava por um mercado
municipal de alimentos em Damasco, pouco antes de decidir deixar o
país.
"Ouvimos um barulho enorme e várias barracas foram pelos ares. Lembro
de proteger os ouvidos com as mãos e sair correndo. Ficamos todos em
pânico. Depois disso, a insegurança aumentou. Pensava: 'se um mercado de
alimentos onde só há civis é alvo, o que não é?'", reflete.
Ferdi (ao fundo) ensinou o que aprendeu ao irmão Abod (à esq.) (Foto: Julia Garcia/G1)
José Márcio Julião (centro) e os irmãos sírios Ferdi (à esq.) e Abod (Foto: Julia Garcia/G1)
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