Lago de Sobradinho é 14 vezes maior que a Baía de Guanabara (RJ) e está com apenas 17% do volume. Cidade inundada voltou a aparecer em ruínas.
O dia 22 de março é o ‘Dia Mundial da Água’. E para mostrar a
importância desse recurso tão precioso, o Fantástico percorreu uma
região do Brasil que vive em estado de emergência. Justamente pela falta
d’água. São quase mil cidades nesta situação.
Exércitos de caminhões-pipas tentam amenizar o problema, poços são
perfurados em busca de água e até uma cidade que foi inundada nos anos
70 para a criação de uma hidrelétrica reapareceu por causa da seca.
O maior de todos os reservatórios de água do Nordeste está secando. O
Lago de Sobradinho tem 380 quilômetros de extensão e capacidade para
armazenar 34 bilhões de metros cúbicos de água. Quatorze vezes maior que
a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. É o mar do sertão.
Mas o volume atual do Lago de Sobradinho é de apenas 17%. A régua com
os números na parede da barragem comprovam que o nível está baixando
cada vez mais.
A barragem foi construída no Rio São Francisco, para gerar energia
elétrica e abastecer o Nordeste. No enchimento do lago, em 1974, cinco
cidades baianas foram alagadas. A população foi transferida para novas
cidades, com os mesmos nomes: Pilão Arcado, Remanso, Casa Nova, Sento Sé
e Sobradinho.
Com a seca atual, o lago recuou 6 quilômetros, entre a nova e a velha
Remanso, deixando o chão rachado e apenas algumas poças de água, que são
aproveitadas pelas aves e pelo gado.
A cidade inundada há 40 anos com a formação do Lago de Sobradinho,
voltou a aparecer agora, em ruínas. Só restou a Estação de Tratamento de
Água da cidade. Em um local, o nível da água passava a 7 metros de
altura, cobrindo completamente a velha Remanso.
Antigos moradores estão visitando o que restou da terra onde nasceram.
Seu Everaldo levou o Fantástico para lembrar como era a cidade.
“Tinha dia que você não encontrava um espaço em frente à cidade, para
encostar uma barca pela importância de toda hora chegar barcas
diferentes. O grande forte do Remanso mesmo era ser o porto da cidade e
também da região do interior”, conta o carpinteiro Everaldo Muniz.
Do alto da caixa d’água é possível ver o que resta da cidade. Por fotos
é possível ver como era o ancoradouro antes da formação do lago. A
igreja matriz, que também ficou em ruínas e o mercado municipal.
"Na época da nossa cidade antiga, o mercado tinha uma arquitetura até
moderna para sua época. Só mesmo quem viveu aqui é que sabe a emoção que
a gente passa, quando pisa aqui na terra natal”, diz Marcílio Braga,
produtor de eventos.
De Remanso partem centenas de carros-pipa para abastecer outras cidades
e a zona rural. Pelos dados do Exército, que controla a distribuição da
água, são 6,5 mil carros-pipa. No Piauí, foram abertos poços
particulares com capacidade de armazenar 480 mil litros. O Exército, que
tem o controle da extração e transporte da água, garante que as contas
estão em dia. Mas os caminhoneiros reclamam da falta de pagamento.
"Tudo atrasado. Em janeiro, saiu outubro e novembro. E aí não saiu mais
dinheiro não. Essa aqui é a última carrada do mês de março sem
receber", conta o caminhoneiro Lindomar Medeiros.
O Fantástico registrou um caminhão saindo para a cidade de Fartura do
Piauí, a 130 quilômetros de distância. As estradas estão lotadas de
carros-pipa, que chegam a ultrapassar pelo acostamento. Cometem
infrações, na pressa de entregar a água.
No Parque Nacional da Serra da Capivara, que tem a maior concentração
de fauna da caatinga, um poço com 800 metros de profundidade fornece a
água para abastecer pequenos reservatórios no meio da mata. Só para
consumo dos animais.
Montanhas de Arenito, no sertão do Piauí, com a vegetação completamente
verde. A região fica com essas caracterísitcas, porque choveu nos
últimos dias. E por lá, uma casa típica do interior do Nordeste. A
diferença é uma calha, de aproveitamento da água. Quando chove, a água
passa pela calha e vai para uma cisterna, ao lado da casa. Dona Raimunda
mora sozinha na casa. Os habitantes da área, tão isolada, partiram. Mas
a moradora solitária vai ficar enquanto tiver água: "Se não tivesse
essa água aqui, eu não tava mais aqui não. Já tinha ido embora”, diz a
agricultora Raimunda Santos da Silva.
O Fantástico também foi em busca de um tesouro da natureza. Seu
Justino, sertanejo autêntico, nos levou a um lugar desconhecido, a que
só os nativos da região têm acesso. Encontramos água corrente, em uma
das áreas mais secas do Nordeste. O riacho com apenas 1 quilômetro de
extensão, irriga a floresta. E tranforma a vegetação seca em um jardim.
As araras vermelhas namoram tranquilas no topo da árvore. A águia
chilena também escolheu esse oásis para viver. Os roedores estão por
toda parte.
"Esses lugares acabam funcionando como refúgio para fauna. Acabam que
eles evitam de transitar na zona periférica e zonas urbanas e serem
caçados por caçadores na região urbana”, explica a bióloga Melissa
Gogliath.
Mas seu Justino quis levar o Fantástico à origem da água da região. Ao
lado de paredões milenares de arenito, onde as araras fazem seus ninhos,
uma única nascente, com água perene. Em pelo menos quatro municípios do
sul do Piauí, só existe uma nascente, que permanece o tempo todo com
água. Atualmente está barrenta, por causa da chuva dos últimos dias. Mas
é água potável, na maior parte do tempo, beneficiando centenas de
famílias.
Nos piores momentos da seca, a nascente era a salvação. Sem essa água, não havia condições de sobrevivência.
“Não sobrevivia não. O gado, a criação, vinha beber toda aqui. Em 1932,
minha mãe já contava que pegavam água aqui direto”, diz o agricultor
Justino Pereira de Aquino.
Menos de 1% da água do planeta é potável, própria para o consumo
humano. E 97% estão nos oceanos. E a solução é cuidar bem dos mananciais
que nos restam, como a nascente do sertão do Piauí.
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