Vitor Pereira, de 20 anos, aderiu ao hábito já cultivado por outros alunos.
Jovem recebeu comentários ofensivos em rede social.
Vitor Pereira posa com a saia que usa nas aulas e a camiseta do curso de têxtil e moda da USP Leste
(Foto: Flávio Moraes/G1)
(Foto: Flávio Moraes/G1)
Recém-chegado ao curso de têxtil e moda da Universidade de São Paulo
(USP), o calouro Vitor Pereira, de 20 anos, decidiu experimentar uma
sensação pouco comum entre os homens de hoje: o hábito de vestir saias.
"Sempre gostei muito de androgenia na moda, nunca pensei que existe
roupa de mulher e roupa de homem", contou o estudante ao G1.
No mês passado, ele comprou uma saia xadrez e passou a vesti-la para ir
à Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), no campus da Zona
Leste da USP. "Sempre quis vestir saia, acho que é mais confortável e
libertador."
Defensor da hipótese de que a moda transcende os gêneros, ele afirma
ter colocado em prática pesquisas feitas na faculdade feitas sobre o
tema e seguido os passos de alguns colegas veteranos. Na manhã de
sexta-feira (3), ele combinou a saia com um par de coturnos e uma
camiseta da faculdade.
A atitude do estudante desafia o preconceito contra homens de saia.
Três dias após vestir a saia na USP pela primeira vez, Vitor recebeu
ofensas anônimas pelo Facebook e criou uma página para defender a causa e
divulgar imagens de outros homens que usam saia pelo mundo. "Achei que
fosse haver alguns olhares, porque é uma coisa incomum, mas não a ponto
de receber ofensa", afirmou Vitor. "Se você posta um comentário assim é
porque você reprime alguma coisa. E se você reprime, isso ou escapa por
meio de palavras ou de violência. Sempre tive uma outra visão da USP, de
que o pessoal tinha a mente mais aberta."
Em nota, a assessoria de imprensa da Each afirmou na sexta-feira (3)
que a unidade "repudia qualquer tipo de discriminação racial, religiosa,
sexual, por gênero e etnia, praticada dentro do ambiente acadêmico ou
fora dele", e que "qualquer manifestação preconceituosa, seja ela qual
for, destoa completamente do cotidiano universitário, que apresenta a
diversidade em suas mais variadas formas".
Vítor Pereira usa saia nas aulas do curso de têxtil e moda da USP Leste (Foto: Flávio Moraes/G1)
Sociologia da moda
A vontade de experimentar ele nutriu durante quase dois anos, mas a
compra da primeira saia foi feita em um impulso durante uma visita a um
shopping center. Por falta de opção, a saia de Vitor foi comprada em uma
loja feminina e precisou ser ajustada por uma costureira para servir ao
porte físico do estudante.
Porém, ele não é o primeiro aluno do curso a vestir a peça para ir à
aula. Pelo menos outros três garotos também já aderiram ao hábito de
usar saia ou vestido.
O aluno do quarto ano Augusto Paz, de 21 anos, vestiu sua primeira saia
em 2011, como parte de uma tarefa da disciplina de sociologia da moda. O
"teste de desconforto psicológico" exigido pela professora consistia em
sair de casa e ir até a faculdade vestindo uma peça de roupa que
Augusto nunca usaria. O estudante escolheu uma saia longa azul
emprestada pela mãe, que lhe serviu sem necessidade de ajustes.
Em 2011, Augusto Paz vestiu uma saia pela
primeira vez (Foto: Arquivo pessoal/Augusto Paz)
primeira vez (Foto: Arquivo pessoal/Augusto Paz)
Apesar de sempre achar que nunca vestiria a peça, Augusto acabou
descobrindo que a saia é bastante confortável e decidiu comprar outros
modelos --hoje, ele tem três, que veste de vez em quando. "Compro minhas
saias em brechós, procuro o modelo de kilt [saia masculina típica da
Escócia]. Fizemos uma pesquisa no ano passado, é muito difícil encontrar
saia para homem."
Vantagens da saia
Além de não esquentar tanto as pernas durante os dias mais quentes, os dois estudantes explicam que a saia também mexe com a postura de quem a veste. "É engraçado ver como uma peça de roupa mexe no visual. Até a maneira de andar muda", explicou Augusto. "Minha postura tem que ser melhor para não parecer estranho", afirmou Vitor.
Os dois dizem que a saia não é uma peça de uso diário, mas apenas mais
uma opção do guarda-roupa, para vestir quando quiserem. Os motivos para
vestirem ou não a saia em um determinado dia são parecidos com os de
muitas mulheres. Vitor, por exemplo, desistiu da peça na quinta-feira
(2), porque achou que faria frio.
Augusto afirmou que veste as suas de vez em quando. Além da vontade na
hora de escolher a roupa do dia, um dos motivos, segundo ele, é o medo
da reação que pode receber na rua.
"Tenho medo de violência", diz. Ele afirma que, na faculdade, o mais
comum é receber "olhares de soslaio" e comentários e risadas pelas
costas, mas que "é difícil ter uma ação combativa, quando tem é
anonimamente pela internet". Porém, segundo ele, em 2012 um estudante da
USP Leste tentou tirar uma foto por debaixo de sua saia. "As reações
divergem muito, aqui tem muita gente esclarecida, mas muita gente
ignorante."
Vitor afirmou que não se importa sobre o que os outros pensam dele. Mas
admitiu que, quando saiu de casa pela primeira vez vestindo uma saia, o
nervosismo fez com que ele ficasse com taquicardia. No ponto de ônibus a
caminho da USP Leste, ele diz que muitas pessoas não conseguiam desviar
o olhar, e um motorista gritou uma ofensa a ele de dentro de um carro
em movimento.
Vítor
Pereira, de saia, e Augusto Paz, que também já usou a peça, 'desfilam'
com os colegas na USP Leste (Foto: Flávio Moraes/G1)
Reflexo da sociedadeA coordenadora do curso de têxtil e moda da USP, professora Cláudia Garcia Vicentini, acredita que é "curioso" ver, no século 21, manifestações agressivas em relação a homens de saia. "A universidade é um lugar de liberdade de expressão", disse ela na sexta-feira (3), durante entrevista ao G1 na cantina da faculdade, vestida com uma gravata preta. "Os dois são extremamente inteligentes e bem educados, isso é o que importa", disse. "Para eles, [vestir saia] é um exercício de diversidade. Qualquer crítica que venha pelo lado negativo não constrói."
'Universidade é lugar de liberdade de expressão',
diz Cláudia Garcia Vicentini, coordenadora do curso
de têxtil e moda da USP (Foto: Flávio Moraes/G1)
diz Cláudia Garcia Vicentini, coordenadora do curso
de têxtil e moda da USP (Foto: Flávio Moraes/G1)
Já a professora Suzana Avelar, responsável pelas disciplinas de
história da moda e sociologia da moda, explica que a saia sempre foi uma
vestimenta masculina e que, até o Renascentismo, homens e mulheres
vestiam as mesmas roupas. Ela questionou os motivos para isso incomodar
tanto hoje em dia. "Gostaria que as pessoas pensassem a respeito disso",
afirmou.
Para o professor Alessandro Soares da Silva, que dá aulas de psicologia
política e de sociedade, multiculturalismos e direitos no curso de
gestão de políticas públicas, nem o uso de saia por parte dos alunos
homens nem a reação agressiva e anônima na internet o surpreendem.
Segundo ele, "o que aconteceu com esses meninos é um reflexo de uma
socieade que educa para a enfermidade".
Silva explica que o preconceito é uma "capacidade emburrecedora",
porque "autoriza o sujeito a falar algo de outro sem conhecê-lo",
partindo da premissa de que existe um "sujeito-referência" e todas as
pessoas que não são como ele são consideradas inferiores. Entre as
características deste sujeito estão o fato de ele ser "branco,
eurocêntrico, culto, bonito, sem deformidades, heterossexual e pai de
filhos, não de filhas".
Na questão de gênero, ele afirma que o preconceito aparece nas reações a
homens que ocupam espaços que a sociedade quer restringir apenas às
mulheres. "O primeiro xingamento que se aprende é comparar o homem à
mulher, como se ser mulher fosse algo pior. Há que se pensar na
igualdade de gênero."
Parte das reações violentas também podem ser combatidas, de acordo com o
professor, com uma educação que começa em casa e sabe respeitar a
diversidade e manter os de valores individuais no âmbito privado. "O que
falta ao Brasil é um estado laico", diz.
Para o estudante Augusto, "as pessoas não estão acostumadas a um homem
que adote comportamentos femininos, é uma questão de tolerância". Por
isso ele celebra a posição de figuras célebres, como o cartunista
Laerte, que assumiu a vontade de se vestir como mulher. "Acho
fantástico, porque as pessoas se acostumaram."
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