Dia do Índio
- Pedro Peduzzi/Agência Brasil
“É
fundamental que se tenha respeito pelos índios e pela sua forma de
viver e produzir”, afirma antropólogo da Universidade de Brasília
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Para serem bem-sucedidos, nessa empreitada visando a venda de suas produções e a exploração dos recursos naturais das terras indígenas (TIs), os povos indígenas têm como desafio buscar maior representatividade no Congresso Nacional, uma vez que cabe ao Legislativo Federal criar políticas específicas que deem segurança jurídica para que eles consigam o desenvolvimento financeiro do qual sempre foram excluídos.
Sustentabilidade
Alguns povos indígenas que tiveram suas terras homologadas têm conseguido bons resultados por meio da comercialização de seus produtos. Levantamento apresentado à Agência Brasil pelo Instituto Socioambiental (ISA) aponta que, somente na safra 2017/2018, índios da etnia Kaiapó do Pará obtiveram cerca de R$ 1 milhão com a venda de 200 toneladas de castanha. Outros R$ 39 mil foram obtidos com a venda de sementes de cumaru, planta utilizada para a fabricação de medicamentos, aromas, bem como para indústria madeireira.
A castanha rendeu aos Xipaya e Kuruaya, no Pará, R$ 450 mil, dinheiro obtido com a venda de 90 toneladas do produto. Cerca de 6 mil peças de artesanato oriundo das Terras Indígenas do Alto e do Médio Rio Negro renderam R$ 250 mil aos índios da região. Já os indígenas da TI Yanomami (Roraima e Amazonas) tiveram uma receita de R$ 77 mil com a venda de 253 quilos de cogumelos.
Os exemplos de produções financeiramente bem-sucedidas abrangem também os Baniwa (AM), que venderam 2.183 potes de pimenta, que renderam R$ 46,3 mil. As 16 etnias que vivem no Parque do Xingu obtiveram R$ 28,5 mil com a venda de 459 quilos de mel.

Autonomia
O
presidente da Funai, general Franklimberg Ribeiro Freitas, disse que
cabe aos indígenas a escolha do modelo de desenvolvimento a ser adotado.
“A Funai deve apoiá-los para atingir seus objetivos”, afirmou à Agência
Brasil. “Em diversas regiões, os índios estão produzindo visando à
comercialização de seus produtos ou mesmo serviços, como o turismo
ecológico. Essas experiências mostram que a extração sustentável, a
comercialização de produtos e o turismo podem ajudar a ampliar o
desenvolvimento das Terras Indígenas”, disse o presidente do órgão
indigenista.
Franklimberg destacou que entre as etnias que
produzem e avançam na comercialização de produtos e serviços estão os
Kaiapós do Pará. “Eles produzem toneladas de castanha e agora
reivindicam máquinas para beneficiar o produto”, ressaltou. “Há também o
cultivo e a venda de camarão, pelos Potiguara da Paraíba, que está
bastante avançada. Tem até a lavoura de soja dos Pareci, no Mato
Grosso”.
O presidente da Funai acrescentou ainda que: “No caso do
minério e dos recursos hídricos, é preciso ainda normatizar e
regulamentar essas atividades, o que cabe ao Congresso Nacional fazer”.
Congresso Nacional
Para
o antropólogo e professor da Universidade de Brasília Stephen Baines,
os indígenas são preteridos na relação com os empresários e donos de
terras. “Há uma desproporção absurda no Legislativo brasileiro a favor
daqueles que querem o retrocesso dos direitos dos povos indígenas,
previstos na Constituição de 1988 e na legislação internacional”, disse à
Agência Brasil.
“Temos atualmente um Congresso Nacional
extremamente conservador que representa – por meio de parlamentares
ligados à bancada ruralista, ao agronegócio, às empresas de mineração e
aos consórcios de mineração e de usinas hidrelétricas – a maior ameaça e
o maior ataque aos direitos dos povos indígenas", afirmou o
antropólogo.
Segundo Baines, é difícil para os índios planejar
grandes voos do ponto de vista de recursos, sem que, antes, seja
resolvida a questão da gestão territorial, o que inclui a segurança
jurídica que só é possível a eles após terem suas terras demarcadas e
homologadas.
“É fundamental que se tenha respeito pelos índios e
pela sua forma de viver e produzir. Para tanto, é necessária a
efetivação dos direitos previstos tanto na Constituição como pelas
convenções internacionais”, disse Baines citando convenções da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização das Nações
Unidas (ONU) sobre os direitos dos povos indígenas.
Violência
Stephen Baines afirmou que a violência contra os índios ainda é intensa
em várias comunidades, como nos estados do Pará, Mato Grosso e Roraima.
“Há muitas ameaças contra os índios, feitas por latifundiários,
empresas e pelos capangas, que matam lideranças locais que lutam pelos
seus direitos. Quer saber onde os índios correm mais riscos? Basta olhar
para as terras indígenas que estão próximas a latifúndios”, disse.
Baines
citou como exemplo o ocorrido na Terra Indígena Raposa Serra do Sol
(RR), onde fazendeiros que vieram de outras regiões se instalaram. “Eles
invadiram as áreas indígenas para desenvolver produção industrial de
arroz. Para expulsar os índios da região, usavam capangas. Até indígenas
foram pagos por eles para intimidar as lideranças”, afirmou.
“Atualmente, muitos daqueles invasores são atualmente influentes
políticos locais e federais e, com a ajuda da mídia, passam a falsa
ideia de que há muita miséria entre os indígenas. Os indígenas negam
isso, mas não conseguem espaço na mídia para desmentir a história
falsa.”
À Agência Brasil, o integrante da Frente Parlamentar da
Agropecuária e líder do PSDB na Câmara, deputado Nilson Leitão (MT),
disse que "nenhum projeto" aprovado pelo Congresso Nacional traz
prejuízos aos interesses dos indígenas. "Pode ir contra o interesse de
intermediários, interventores ou organizações sociais, que dizem
trabalhar para o índio. Nenhum deputado que eu conheço, que defenda o
setor produtivo, trabalha contra o índio", disse.
Nilson Leitão
afirmou que o "verdadeiro parceiro do índio são os produtores".
"[Indígenas e produtores] são vizinhos, moram na mesma localidade, têm
as mesmas peculiaridades e colaboram um com o outro. Não existe conflito
entre eles a não ser aqueles provocados por organizações sociais",
disse.
Marco temporal
O antropólogo alertou sobre "marco
temporal", medida que divide opiniões, busca produzir a área das terras
indígenas, colocando como referência para as demarcações as terras que
estavam ocupadas na época em que a Constituição foi promulgada [1988],
ou seja, quando os "indígenas foram removidos e expulsos de suas terras
em todo o Brasil”.
Neste cenário, as manifestações indígenas
ganharam mais força, como o caso do Acampamento Terra Livre, organizado
pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Formado em 2004, é
a maior mobilização de povos indígenas do país. Em 2017, mais de 3 mil
indígenas de 200 povos participaram da manifestação em Brasília.
No
próximo dia 23, haverá a 15ª edição da mobilização, em Brasília, em
defesa da manutenção e efetivação dos diretos dos povos indígenas.

Mais demandas
Os
diversos grupos indígenas apelam por mais mecanismos de segurança
jurídica para o desenvolvimento e comercialização de seus produtos. “A
segurança jurídica não pode ficar restrita a grandes grupos econômicos.
Além de ter seus direitos respeitados e a liberdade para explorar as
terras como acharem melhor, os indígenas precisam também de incentivos
para produzir, respeitando seus próprios modos de produção”, argumentou
Stephen Baines
Segundo o antropólogo, o conhecimento tradicional
sobre a relação com o ambiente faz parte dos produtos indígenas e, ao
mesmo tempo, valoriza a questão ambiental. “Não há dúvida de que o fato
de serem feitos por indígenas dá ao produto um diferencial, por serem
ecologicamente seguros. Inclusive há lojas na Europa muitas lojas que
vendem produtos industrializados como sendo indígenas. Alguns até usam
uma pequena quantidade de óleo de castanha kaiapó para associar a imagem
do produto à ideia de produção sustentável em suas campanhas de
marketing”.
Em menor escala, a forma de produção indígena é
bastante diferente da exploração industrial, que, segundo ele, é
desastrosa e provoca impactos ambientais irreversíveis. “Quando eles
optam pela mineração, eles o fazem por meio de uma maneira própria de
garimpagem em pequena escala. Extraem somente o necessário, pensando nas
gerações futuras. Não querem empresas porque sabem que elas tiram tudo
de uma vez, não deixando nada para o futuro”.
Para Baines, é
importante a adoção de cotas indígenas no ensino superior, como fez de
forma pioneira a Universidade de Brasília (UnB). Em 2017, havia 67
alunos indígenas de 15 povos. Destes, 42 faziam graduação e 25
pós-graduação.
Política
O assessor
parlamentar da Funai Sebastião Terena disse que as lideranças indígenas
têm trabalhado também para ampliar a representatividade de índios na
política brasileira nas eleições de 2018, em especial no Congresso
Nacional. As dificuldades, no entanto, não são poucas. Na história do
Parlamento brasileiro, o único indígena eleito foi Mário Juruna, em
1982, para a Câmara dos Deputados.
Pelos dados de Terena, há
apenas 117 vereadores indígenas cumprindo mandato em 25 unidades
federativas, além de quatro prefeitos e um vice-prefeito. “Apesar da
falta de recursos e de infraestrutura, pela primeira vez teremos
pré-candidatos indígenas em pelo menos 10 estados e no Distrito
Federal”, disse Terena à Agência Brasil. A definição dessas candidaturas
deve ocorrer em julho.
O antropólogo Stephen Baines lamenta que
“apenas uma pequena minoria de parlamentares luta pelos direitos
indígenas”. “Em parte, isso se explica porque muito do dinheiro do
agronegócio e das empresas e consórcios acaba sendo usado em campanhas
eleitorais das bancadas contrárias aos povos indígenas. E muito
provavelmente parte do financiamento vantajoso que é direcionado ao
agronegócio acaba servindo também para financiar as campanhas dessa
bancada que faz de tudo para inviabilizar candidaturas indígenas”,
acrescentou.
Na avaliação de Baines, a data de hoje – Dia do Índio
– é importante não só para o protagonismo indígena, mas também para
chamar a atenção das pessoas interessadas na defesa dos direitos
indígenas.
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