- Poliana Ribeiro / O Estado Online
Muitas mulheres ainda precisam enfrentar o preconceito, inclusive da família, para assumir o fato de não querer ser mãe
SÃO
LUÍS - Algumas conquistas femininas não têm a ver com leis ou políticas
públicas, mas com a quebra de alguns padrões socialmente estabelecidos.
Houve um tempo em que a mulher sentia-se pressionada a ser mãe, como se
apenas cumprindo este papel ela pudesse se sentir realizada. Graças à
coragem que muitas mulheres tiveram de questionar esses padrões
estabelecidos, hoje em dia as integrantes da chamada Geração NoMo (No
Mother) já conseguem se sentir mais livres para expressar quem são e o
que querem de verdade.
Os preconceitos e a pressão –
principalmente familiar – ainda existem, mas as NoMos conseguem se
esquivar das piadinhas, perguntas indiscretas e olhares tortos.
Independentemente dos motivos, o fato é que essas mulheres não se sentem
– e não são – menos mulheres do que todas as outras.
Aos 33 anos,
a estudante de Psicologia Elayne Quitanilha afirma que nunca foi seu
sonho ser mãe, embora a ideia de adotar uma criança tenha passado
algumas vezes por sua cabeça. “Às vezes eu considero a possibilidade de
ser mãe. Mas coloco todos os prós e contras. A família pergunta, mas não
me pressiona. Alguns amigos, quando eu digo que provavelmente não terei
filhos, se assustam. Mas ninguém tenta me convencer do contrário”,
afirma. Mas o fato de ter outras amigas que fizeram a mesma escolha
deixou Elayne mais à vontade para falar abertamente sobre o assunto.
“Antes eu era mais reservada quanto a isso. Não falava muito
abertamente, até pelo que os outros diriam. Mas, hoje, já coloco isso de
forma mais tranquila. Até porque algumas amigas minhas já expressaram
também essa opção de não serem mães”, conta.
Elayne Quintanilha
ressalta que a opção por não ser mãe não tem nada a ver com gostar ou
não de crianças. “Tenho uma sobrinha/afilhada de 11 meses por quem sou
apaixonada. Se um dia eu precisasse assumir a criação dela, não pensaria
duas vezes. Historicamente, somos ensinadas que as mulheres possuem
‘instinto materno’. Como se só pudéssemos nos realizar se assumirmos
nossa ‘missão de ser mãe’”, enfatiza.
E, de fato, Elayne não está
sozinha na sua escolha por não ser mãe. A relações públicas Priscilla
Costa tem 34 anos e afirma construir cada vez mais a certeza de não
querer ter filhos. “Quanto mais a idade chega para mim, vou construindo
mais essa certeza. Claro, que toda mulher tem dúvidas, e, quando a idade
avança, ou seja, você passa dos 30, os círculos que você vive passam a
te pressionar, com uma piadinha aqui, outra acolá, do tipo, ‘quando vai
ter um filho?’ ‘Quando vai casar?’ ‘Ah, você vai se sentir realmente uma
mulher completa quando for mãe’ etc. Podem parecer perguntas bobas, mas
no fundo te pressionam e te fazem pensar sobre”, admite.
Apoio em casa
Priscilla
tem no marido o apoio que precisa para não ceder à pressão social de
ter filhos, mas, ainda assim, lamenta pela situação de sua mãe. “Posso
dizer que, até agora, sou uma mulher realizada, e o fato de não ter
filhos e não querer tê-los não me torna menos mulher, menos amada, menos
profissional. Minha mãe já vem tentando entender isso, já vê que não
quero ter filhos. Às vezes é um pouco dolorido pra mim ver ela nessa
situação, porque sou filha única, então, consequentemente não terá
netos. Mas, penso, sou eu que sou feliz assim e não tenho que ter filhos
por causa disso”, destaca.
Cursando Doutorado em Ciências da
Comunicação na Universidade de Coimbra, em Portugal, Tatiana Gonçalves
confessa que já chegou a pensar em ser mãe, mas logo essa vontade
passou. “Hoje, eu tenho 35 anos e vejo que, quando você consegue
‘agarrar a vida com as mãos’, quando você é dono do seu destino, as
coisas mudam um pouco. No meu caso, a maternidade não se tornou uma
prioridade na minha vida”, afirma.
E ela admite que “bancar” essa
escolha não é fácil, pois ainda sente-se discriminada quando fala
abertamente sobre o fato de não querer ter filhos. “Eu me sinto muito
discriminada. Muito!! Seja pelas garotas da minha idade, seja pelas
pessoas mais velhas. Parece que você comete um crime por simplesmente
não tem muita vontade de ser mãe. Vejo que as pessoas pensam, de uma
forma geral, mais ou menos assim: tem que crescer, ir ao colégio, entrar
na universidade, arrumar um trabalho, casar e ter filhos. Se você foge a
esse padrão, parece que está cometendo um crime, pecado, sei lá! Quando
penso que a sociedade evolui e vejo essa atitude ou escuto comentários,
muitas vezes das próprias mulheres, não sei, não consigo entender, não
entra na minha cabeça”, avalia.
Satisfeita
com os rumos de sua vida, Tatiana Gonçalves consegue lidar bem com a
pressão das pessoas quando o assunto é maternidade. “Não me importo
muito. Passei por uma situação engraçada um dia desses. Falei para uma
senhora que não tinha muita vontade de ser mãe, que preferia viver a
minha vida e que estava muito contente assim e ela me disse que eu já
era velha demais e que meu tempo estava se esgotando e mandou eu
procurar congelar os meus óvulos o quanto antes!! (risos). No fundo, eu
até entendo a preocupação dela, mas tento ser fiel a mim mesma e
respeitar as minhas vontades. Então, quando alguém faz um certo tipo de
pressão com relação a isso, eu simplesmente ignoro”, garante.
Cercada
durante muito tempo por crianças e adolescentes, por trabalhar em
escola, a pedagoga aposentada Dulce Irene Martins decidiu desde muito
cedo que não queria ter filhos e nunca se arrependeu de sua escolha.
“Lembro que, aos 14 anos, assisti a uma matéria no Fantástico em que os
filhos abandonavam os país no asilo e isso me marcou muito em ver a
ingratidão dos mesmos com aqueles que tudo fizeram por eles. Não casei
e, como trabalhava com crianças e adolescentes, sem falar nos sobrinhos e
afilhados, adotei-os como filhos. Não senti discriminação e sim um
reconhecimento no exercício da profissão de muitos alunos que me tiveram
como ‘uma mãe’”, afirma.
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