Prisão era na Câmara Municipal durante período colonial, em Salvador.
Não há consenso se passagem foi canal fluvial ou abrigou celas solitárias.
Abertura
para passagem subterrânea onde teriam funcionado solitárias da primeira
cadeia do país fica exposta no Memorial da Câmara Municipal de
Salvador. (Foto: Alan Tiago Alves/G1)
Quem visita o Memorial da Câmara Municipal de Salvador se atenta a um
detalhe em meio às maquetes, painéis, móveis e objetos expostos que
recontam a história do espaço quadricentenário: o acesso para uma
passagem subterrânea que intriga frequentadores e historiadores. Isso
porque ainda não há um consenso se o "buraco", descoberto no ano 2000
durante as obras para instalação do memorial, seria a abertura para um
canal fluvial ou via de acesso à ala das solitárias da primeira cadeia
oficial aberta no pais, no período colonial.
Coordenadora do memorial, arquiteta Ana Lúcia diz
que documentos foram perdidos ao longo dos anos.
(Foto: Alan Tiago Alves/G1)
que documentos foram perdidos ao longo dos anos.
(Foto: Alan Tiago Alves/G1)
Primeira entre as capitais brasileiras, a câmara de Salvador
foi criada quase no mesmo período da fundação da capital baiana, que
completa 467 anos em 2016. O memorial foi criado em 1997, mas aberto ao
público somente quatro anos depois. Ele está instalado no pavimento
térreo do prédio, onde a cadeia funcionou até meados do século XIX.
Durante a visitação, que é gratuita e pode ser feira de segunda a
sexta-feira, das 9h às 17h, os curiosos não podem descer até o subsolo
por questões de segurança. A coordenadora do memorial, a arquiteta Ana
Lúcia Barbosa, diz que pouco se sabe atualmente sobre a cadeia e as
supostas enxovias - como eram chamadas as prisões subterrâneas, escuras e
úmidas, da época - que possam ter existido no local, já que muitos
documentos se perderam com o passar do tempo.
Memorial reúne pinturas de personagens de destaque da história da Bahia, paineis, móveis e objetos. (Foto: Alan Tiago Alves/G1)
"Desconfia-se que isso [a passagem subterrânea] funcionava como abrigo
ou tinha celas solitárias, mas ainda não há uma certeza. Outros dizem
que se tratava apenas de uma galeria de água. O certo é que a escassez
de informações hoje se deve muito também pela destruição de documentos
na época da invasão holandesa no Brasil", destaca a arquiteta.
Abertura de passagem subterrânea foi descoberta
em 2000, durante obras de instalação do memorial.
(Foto: Alan Tiago Alves/G1)
em 2000, durante obras de instalação do memorial.
(Foto: Alan Tiago Alves/G1)
A estudante Maiara Priscila Santos, uma das quatro estagiárias de
história e museologia do memorial que trabalham como guias dos
visitantes, é uma das responsáveis por fazer o levantamento de
informações sobre a história da cadeia, e sobretudo das tais enxovias. A
aluna pretende elaborar um relatório, com tudo que conseguir reunir
junto ao Arquivo Histórico Municipal e com historiadores, para ser
publicado no site do memorial e servir de referência a estudiosos e
curiosos que se interessarem pelo assunto. Ela diz que o "mistério" que
gira em torno da passagem subterrânea foi o que a motivou a fazer o
trabalho.
"Aquilo chama a atenção de todo mundo. Muitos chegam e perguntam sobre o
canal subterrâneo e, como temos que dar aos visitantes a informação
correta, decidi pesquisar mais sobre isso. No começo, tive muita
dificuldade, pelo fato de se ter poucas referências, mas encontrei
informações em uma revista publicada pelo Iphan [Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional] e em um trabalho de mestrado de uma
professora de história. Enquanto alguns historiadores dizem que ali
funcionavam prisões subterrâneas, outros negam que o local tenha sido
enxovias. Fico curiosa para descer e saber o que tem lá embaixo, mas
infelizmente não pode porque pode ter gases tóxicos ou outros perigos",
diz.
Pintura de Henrique Passos, exposta no memorial,
retrata Câmara de Salvador em 1660, antes da
instalação da cadeia. (Foto: Alan Tiago Alves/G1)
Casa de Câmara e Cadeiaretrata Câmara de Salvador em 1660, antes da
instalação da cadeia. (Foto: Alan Tiago Alves/G1)
Era característico do período colonial as câmaras abrigarem as cadeias municipais e serem o espaço do executivo e do judiciário. Até 1889, ano em que ocorre a implementação dos três poderes com a proclamação da República, a Câmara não possuía funções legislativas, já que o poder era centralizado nas mãos do monarca, que definia as leis que regeriam as províncias.
Na câmara de Salvador, ou Casa de Câmara e Cadeia, denominação típica portuguesa da época, as celas eram dividas em duas alas -- a norte e a sul, onde ficavam separados mulheres e homens, respectivamente. Também havia as chamadas "salas de segredos", espaços para para interrogatórios ou reuniões privadas, e até açougues, já que era responsabilidade dos vereadores fiscalizarem o abastecimento de alimentos da cidade. "Não só a Câmara de Salvador, como praticamente todas as câmaras municipais do Brasil colonial assumiam mais de uma função pública, e o papel de cadeia não era raro em outros espaços legislativos. A cadeia da câmara de Salvadior com certeza foi a primeira oficial do país", destaca o historiador e professor Ricardo Carvalho.
Visitantes podem conferir linha do tempo em painel sobre história da Câmara Municipal de Salvador (Foto: Alan Tiago Alves/G1)
Eram levados para a cadeia pessoas que cometessem qualquer tipo de
crime, mas principalmente sonegadores, larápios (ladrões) e assassinos.
Não há informações sobre quantos presos a cadeia tinha capacidade de
abrigar e nem quantas pessoas passaram pelo local. A câmara da capital
baiana também não possui fotografias ou pinturas do espaço onde ficavam
os detentos - só se sabe que parte das celas funcionavam onde hoje está o
instalado o memorial.
Maquete retrata primeira construção da Câmara, feita
com paredes de taipa e telhado de palha.
(Foto: Alan Tiago Alves/G1)
com paredes de taipa e telhado de palha.
(Foto: Alan Tiago Alves/G1)
"Embora a primeira versão da Casa de Câmara e Cadeia seja de 1551,
apenas em 1795 foram construídas instalações para uso, como salas de
presos, por ordem do então governador Fernando José de Portugal, o mesmo
que, anos depois, lavraria o ato de condenação dos sediciosos da
Conjuração Baiana", afirma o professor.
Sobre as supostas celas subterrâneas, ele afirma que "há controvérsias
entre os historiadores". Além disso, diz que se tem hoje tão poucas
informações sobre a cadeia porque "muitos dos dados sobre a repressão
policial e tributária do período colonial foram perdidas por conta da má
conservação ou por interesses escusos".
Segundo registros do memorial, a cadeia funcionou no prédio até a
primeira metade do século XIX, quando o judiciário se separou
definitivamente da Câmara, e os presos foram transferidos para o Forte
do Barbalho. O professor Ricardo Carvalho diz, no entanto, que
"episódios como os Motins do Maneta e a Revolta dos Malês denotam a
possibilidade de que realmente o uso do espaço como cadeia perdurou por
mais tempo do que se pode pressupor", destaca.
Local onde ficava cisterna que abastecia cadeia por
ser visto no pátio do memorial.
(Foto: Alan Tiago Alves/G1)
Memorialser visto no pátio do memorial.
(Foto: Alan Tiago Alves/G1)
Em 2010, após passar por uma revitalização e readequação do acervo, o memorial foi reinaugurado. Além do acervo de pinturas de figuras de destaque na história da Bahia, como Thomé de Souza, Castro Alves, Dom Pedro II e Ruy Barbosa, o público também pode conferir moedas do século XIX, ossos, fragmentos cerâmicos, balas de canhões e outros achados arqueológicos.
O casal de turistas mineiros Alessandra Alves, 28, e Gilvan Gonçalves, 31, que visitou o memorial da câmara de Salvador pela primeira vez este ano, durante passeio pelo Centro Histórico, também não escondeu a curiosodade pelos mistérios que rondam a passagem subterrânea.
Alessandra ainda afirmou que as maquetes da câmara expostas no memorial, que mostram as mudanças arquitetônicas passadas pela casa legislativa ao longo dos anos, e o local onde ficava a cisterna cuja água era utilzada pelos detentos, no pátio, também chamaram sua atenção.
"As maquetes mostram todas as modificações pelas quais a câmara de Salvador passou e retratam desde a primeira construção à maneira dos índios, com paredes de taipa e telhado de palha, até chegar ao modelo arquitetônico preservado até hoje. A gente fica deslumbrado em ver tudo isso e realmente mergulha no tempo e na história de Salvador e da Bahia", comentou a turista.
Memorial da Câmara Municipal de Salvador (Foto: Alan Tiago Alves/G1)
Memorial da Câmara Municipal de Salvador (Foto: Alan Tiago Alves/G1)
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