Da BBC
Cientistas acreditam que muco do myxini, o peixe-bruxa, pode ser transformado em roupas esportivas ou, ainda, em coletes de proteção contra armas.
Uma espécie de peixe sem mandíbula e sem espinha dorsal que vive no
fundo do mar há mais de 500 milhões de anos secreta uma membrana viscosa
que poderá ser utilizada como o tecido da roupa do futuro.
O myxini (do grego myxa, muco), também conhecido como peixe-bruxa, é
uma criatura sem nenhum glamour. Ele nada em águas muito profundas, com
baixa visibilidade, sempre procurando por comida. Seu prato predileto
são restos de baleias mortas.
Mas ele tem uma interessante "carta na manga". O truque está na sua
estrutura corporal, que se parece com a de uma cobra. Nas laterais,
glândulas soltam uma substância viscosa abundante e altamente
concentrada que, na ausência de mandíbula, serve de autodefesa.
A substância viscosa do peixe-bruxa tem fibras extremamente fortes e elásticas. (Foto: BBC)
Pesquisadores filmaram recentemente o que acontece quando um tubarão
morde um myxini. Sua boca e suas guelras são rapidamente cobertas pelo
muco, e imediatamente eles desistem do ataque para não morrer asfixiado.
"Eles talvez não sejam uma das criaturas mais bonitas de se trabalhar,
mas eu tenho muito respeito por elas", diz Tim Winegard, pesquisador da
University de Guelph, no Canadá, que estuda as fibras encontradas no
muco do peixe-bruxa.
"Esses peixes são campeões por terem sobrevivido após os dinossauros e a
diversos outros processos de extinção em massa", acrescenta Winegard.
Dinossauros foram extintos por volta de 60 milhões de anos atrás, mas
um fóssil do peixe-bruxa que foi encontrado pelos cientistas - completo e
com evidências de glândulas produtoras de muco - foi datado com mais de
300 milhões de anos.
Um myxini possui cerca de 100 dessas glândulas de produção de muco que
estão localizadas ao longo do seu corpo. Elas dispersam uma substância
leitosa, composta de substância viscosa e fibras.
Quando a substância leitosa se mistura com a água do mar, ela se
expande, criando grandes quantidades de um muco translúcido, composto
por fibras extremamente fortes e elásticas. Essas fibras, quando
esticadas na água e, logo em seguida, secadas, se tornam sedosas.
Material pode ser transformado em roupas esportivas ou, ainda, em coletes de proteção contra armas. (Foto: BBC)
Roupas esportivas ou coletes de proteção
maiores espécies de myxini podem chegar a até 1,2 metro, mas a
maioria chega a apenas 30 centímetros. Mesmo com o pequeno tamanho,
apenas um peixe-bruxa possui centenas de quilômetros de filamentos de
muco dentro de seu superprotegido corpo.
Cientistas acreditam que o muco do myxini - ou ainda outras proteínas
similares a esta substância viscosa - pode ser transformado em roupas
esportivas ou, ainda, em coletes de proteção contra armas.
Durante anos, cientistas têm tentado encontrar alternativas para
substituir fibras sintéticas como o nylon, lycra ou o spandex, que são
produzidos a partir do petróleo - uma substância de fonte não-renovável.
O muco de peixe-bruxa teria assim potencial para gerar uma fonte natural e renovável para produzir tecidos.
Mas, primeiro, os especialistas precisam descobrir como aumentar a
produção do muco dos myxini. Os especialistas afirmam que esse processo
seria improvável em fazendas para produção de peixes-bruxa, pois a
espécie parece não se reproduzir bem em condições de cativeiro.
"Sabemos muito pouco sobre a reprodução do peixe-bruxa e ninguém até
agora conseguiu gerar um único myxini em cativeiro, por mais incrível
que isso pareça", explica Douglas Fudge, que lidera o projeto de
pesquisa Guelph. "Neste momento, nós literalmente não poderíamos ter
fazendas para produzir peixes-bruxa da mesma forma como podemos fazer
com vacas e frangos ou qualquer outro animal domesticado".
Proteínas
Em vez disso, cientistas esperam reproduzir artificialmente as
proteínas que são encontradas no muco do peixe-bruxa em laboratório.
Este é o mesmo método que os cientistas utilizaram com a seda de
aranha. No entanto, por conta das fibras das proteínas da seda da aranha
serem muito grandes, isso seria extremamente complexo (seria como
tentar extrair as mesmas proteínas de uma cabra transgênica).
No caso do muco do peixe-bruxa, há ainda muitas qualidades similares ao
da seda de aranha, mas com uma grande vantagem, afirma Fudge. As
proteínas extraídas do myxine são muito menores e, em teoria, seriam
mais fáceis de replicar.
Ninguém conseguiu produzir sequer um carretel com os fios extraídos da
proteína do muco do peixe-bruxa, mas diversos cientistas estão
trabalhando para que isso aconteça.
"Estou tentando retirar com pinças as fibras como se estivesse puxando
isso pra cima", explica a professora Atsuko Megishi, do projeto Guelph,
na mesma hora em que tenta puxar o que mais se parece com a nata formada
numa caneca de leite quente.
Essa "nata" com a qual os cientistas trabalham é como se fosse uma
membrana muito fina formada pela proteína extraída do muco do
peixe-bruxa. Quando a membrana é destruída, pequenas fibras são
formadas. Assim, os cientistas conseguem as puxá-las com as pontas dos
dedos.
Outros membros do projeto Guelph estão ainda tentando outro método.
Eles utilizam uma bactéria geneticamente modificada que pode extrair as
fibras ao longo de todo o corpo do peixe.
Se os cientistas tiverem sucesso na extração dessa nova fibra, eles
poderão trabalhar com a indústria têxtil para levar novos produtos ao
mercado.
Mas ainda têm o desafio de criar uma nova marca. "Peixe-bruxa - isso
provavelmente assustaria os consumidores! Sem falar (no termo)
substância viscosa", brinca Tim Winegard.
Mas talvez esse antigo muco das profundezas do oceano possa ser transformado na camisa que você veste.
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