Um agente da Secretaria de Segurança Pública revela as atrocidades em depoimento para a CPI do Sistema Carcerário
Da Época
O depoimento de um funcionário do setor de inteligência daSecretaria de Segurança Pública do Maranhão aterrorizou os deputados da CPI do Sistema Carcerário, instalada na Câmara dos Deputados. Em oitiva gravada no mês passado, o servidor maranhense informou que houve, pelo menos, dois casos decanibalismo dentro do Complexo Penitenciário de Pedrinhas,
em São Luís. Pelo relato, dois presos foram mortos num “ritual macabro”
feito por detentos da facção criminosa Anjos da Morte, chamada de ADM.
“Eles são loucos, psicopatas. Não existe uma lógica no diálogo com
eles”, descreve o agente de inteligência, que depôs de forma sigilosa
para cinco deputados, um juiz e uma defensora pública.
A primeira vítima de canibalismo, de acordo com o depoimento, foi o detento Ronalton Rabelo, de 33 anos. Preso por assalto, Rabelo conseguiu um alvará de soltura em
11 de abril de 2013. Quando o advogado chegou ao presídio para
buscá-lo, foi informado pela administração de Pedrinhas que Rabelo
desaparecera dez dias antes. Até hoje, mais de dois anos depois do
sumiço, o inquérito da Polícia Civil do Maranhão não concluiu nada sobre
o caso. O agente de inteligência disse à CPI o que soube sobre o
desaparecimento de Rabelo: “Ele foi desossado. Foram cortados os pés, as
mãos, cada membro. Foram tiradas as vísceras, coração. Os informantes
disseram que ele foi morto na quadra de banho de sol e seus pedaços
foram colocados em sacolas e distribuídos. Foi cozinhado na água com sal
para evitar o odor e alguns órgãos foram comidos em rituais dessa
facção, da ADM, Anjos da Morte, como rins, fígado, coração. O restante
foi dispensado no lixo”.
A segunda vítima da atrocidade, segundo o servidor da Segurança Pública, foi o detento Rafael Libório, de 23 anos. Preso por homicídio qualificado,
Libório sumiu dentro de Pedrinhas em 8 de agosto de 2014. Quatro dias
depois, o corpo foi encontrado em pedaços dentro de um saco plástico
enterrado numa cela do presídio. O agente de inteligência, que
participou das buscas pelo preso, contou à CPI o que fez quando foi
informado que Libório havia sido vítima de canibalismo: “Fomos
imediatamente, isso já era tarde da noite, para os baldes de lixo.
Procuramos e achamos da forma como tinham descrito o outro (Rabelo). Do
mesmo jeito. Desossado. Não achamos o crânio. Achamos o couro cabeludo
da cabeça, mas não achamos o crânio e a pele do rosto. Achamos os pés,
os órgãos genitais. E não estavam fedendo, o que nos induz que foi feito
o mesmo procedimento de cozinhar com água e sal”. O servidor entregou
aos deputados da CPI seis fotos de pedaços do corpo de Libório.
O agente diz,
no depoimento, que outros funcionários do setor de inteligência também
receberam informações de que Rabelo e Libório foram vítimas de
canibalismo dentro de Pedrinhas. Explica que os principais informantes
são os presos do presídio. “Não há possibilidade nenhuma de se controlar
o sistema penitenciário sem
informantes lá dentro”. E diz que, “para evitar escândalos”, os casos
foram abafados pelo secretário de Justiça e Administração Penitenciária
da época, Sebastião Uchoa.
O ex-secretário foi procurado para se manifestar sobre o depoimento,
mas não foi encontrado. A CPI da Câmara pretende pedir o indiciamento
de Uchoa por omissão. Segundo os deputados, não existe nenhum inquérito
para apurar as denúncias de canibalismo em Pedrinhas.
No depoimento do agente, o juiz Edmar Fernando Mendonça,
da 2ª Vara de Execução Penal de São Luís, disse que só a partir de 2014
começou a ser feito o levantamento das mortes nos presídios do
Maranhão. “Tivemos a decapitação de 2002. Depois, tivemos rebelião e
decapitação em 2009, 2011 e 2013. Se o senhor procurar algum inquérito
policial concluído desse período, não vai encontrar nenhum, mas nenhum.
Parecia que as coisas que aconteciam dentro do sistema penitenciário não
eram da alçada do estado do Maranhão. É muito esquisito”.
O Complexo Penitenciário de Pedrinhas é o maior do Maranhão. Construído há cinco décadas, tornou-se o cenário de algumas das maiores atrocidades já vistas nos presídios brasileiros. Os episódios mais trágicos aconteceram na gestão da ex-governadora Roseana Sarney (PMDB),
que deixou o cargo em dezembro do ano passado. Só em 2013, numa guerra
de facções criminosas, 60 presos foram assassinados em Pedrinhas – o
triplo do registrado, naquele ano, em todas as cadeias do estado de São
Paulo somadas. Os presos chegaram a fazer um vídeo em que três corpos de
detentos apareciam decapitados e as suas cabeças eram apresentadas como
troféus. Um relatório do Conselho Nacional de Justiça ainda
informa que agentes penitenciários torturam presos e que mulheres e
irmãs de detentos são estupradas pelos chefes das facções criminosas que
controlam o presídio. O canibalismo, agora, entra para a lista de
bestialidades denunciadas em Pedrinhas.
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