Licitação estima gastos de R$ 830 milhões, quase três vezes mais que o previsto. Governo de São Paulo garante que obra não vai prejudicar ninguém.
Ano 2015 começou pesado para os brasileiros. Ajustes na economia, crise
de energia e a crise da água, que afeta não só São Paulo, mas também os
outros estados da região Sudeste.
Enquanto a população recebe respostas confusas das autoridades,
buscam-se caminhos para que a maior cidade do Brasil não entre em
colapso.
Entre as medidas de emergência, foi lançado sexta-feira (30) o polêmico
projeto de transposição do Rio Paraíba do Sul. O plano prevê o desvio
de parte das águas para socorrer as represas de São Paulo. Só que a
bacia do Paraíba do Sul, principal fonte de abastecimento do estado do
Rio de Janeiro, também está secando.
E aí? O que era para ser solução vai acabar criando outro problema?
Era uma vez um rio que corria em meio à Mata Atlântica fechada. Um rio
tão bom que muita gente escolheu seu entorno para sobreviver. São 15
milhões de pessoas abastecidas por ele pelos rios que correm até ele.
Centenas de anos depois, cada vez menos Mata Atlântica. E esse rio passa
agora pela maior seca já registrada.
O sistema do Rio Paraíba do Sul abastece três estados: Rio de Janeiro,
São Paulo e Minas Gerais. É por ser tão importante que ele agora é o
centro de uma polêmica.
No reservatório de Jaguari, em São Paulo, se planeja fazer a
transposição do Rio Paraíba do Sul. Uma obra que é apontada como uma das
soluções para o problema da falta d´água em São Paulo. Para chegar no
lugar onde se pretende fazer a obra, é preciso pegar um barco.
Geralmente, pegaria-se um barco em um píer. Mas a represa está tão seca
que é preciso descer todos os degraus. Antes era tudo ficava embaixo
d’água.
São 25 metros abaixo do nível normal. O especialista em recursos hídricos Edilson Andrade vai mostrar o lugar da obra.
Fantástico: A represa agora está muito seca?
Edilson Andrade: Sim, ela está quase que zero de volume útil, está com 1,7% apenas.
Edilson Andrade: Sim, ela está quase que zero de volume útil, está com 1,7% apenas.
Uma floresta antes submersa mostra seus galhos. E, em um dos cantos da
represa, se vê a antiga cidade de Igaratá, onde o professor Sirlei da
Silva se criou. “Aqui era a pracinha da frente da igreja, até tem os
canteiros ainda, vestígios de canteiro. Os bancos da praça. A minha
adolescência eu passei aqui”, indica Sirlei.
Ele não ia à cidade há 50 anos, desde que a cidade ficou submersa com a
construção da represa. O que restou de Igaratá estava a 20 metros de
profundidade. Agora, um símbolo da seca.
“Essa situação caótica que a gente começa a experimentar é como se
fosse uma ferida que começa a sangrar. Igaratá é apenas um toque nessa
ferida”, diz Sirlei.
Fantástico: A obra então está planejada para ser feita aqui.
Edilson Andrade: Sim, esse local deve receber as obras.
Fantástico: A obra então está planejada para ser feita aqui.
Edilson Andrade: Sim, esse local deve receber as obras.
Segundo o projeto, seis motores vão bombear a água por 20 km até a represa do Atibainha, que faz parte do Sistema Cantareira.
O Sistema Cantareira é usado por 8 milhões de pessoas em São Paulo, que
esta semana ouviram uma previsão dramática. “Precisaria de um rodízio
de dois dias com água por cinco dias sem água”, disse o diretor
metropolitano da Sabesp, Paulo Massato Yoshimoto.
A ideia é bombear do Paraíba do Sul para lá cerca de 5 mil a 8 mil
litros de água por segundo. O suficiente para abastecer 2 milhões dos 22
milhões de habitantes da Grande São Paulo.
Só que, para isso acontecer, os reservatórios do Paraíba do Sul
precisam se recuperar primeiro. “Nesta situação de crise, não daria para
passar esse volume para São Paulo”, afirma Edilson Andrade.
Em uma seca como essa, segundo os especialistas, transferir a água para o Cantareira poderia criar outro problema.
Fantástico: O Paraíba do Sul pode se tornar um novo Cantareira?
Edilson Andrade: Pode, se nesse verão não chover e no próximo, de 2016, a chuva também não vier em quantidade suficiente, em um ano vai ser um novo Cantareira.
Fantástico: E aí não daria para socorrer o Cantareira?
Edilson Andrade: Sim. Para socorrer o Cantareira precisa ter água. E só tem água se houver uma recuperação dessas represas do Paraíba do Sul. Seria socorrer um doente e deixar o outro à mingua.
Edilson Andrade: Pode, se nesse verão não chover e no próximo, de 2016, a chuva também não vier em quantidade suficiente, em um ano vai ser um novo Cantareira.
Fantástico: E aí não daria para socorrer o Cantareira?
Edilson Andrade: Sim. Para socorrer o Cantareira precisa ter água. E só tem água se houver uma recuperação dessas represas do Paraíba do Sul. Seria socorrer um doente e deixar o outro à mingua.
As represas do Cantareira e as do Paraíba do Sul estão na mesma zona
climática. Elas funcionam sob o mesmo regime de chuva. Ou seja, se chove
aqui, chove lá também. E se tem seca lá, tem seca aqui também.
Essa obra foi anunciada no ano passado, a princípio a um custo de R$
300 milhões. Mas a licitação que foi aberta sexta-feira (30), estima
gastos de R$ 830 milhões, quase três vezes mais. Recursos do PAC do
governo federal, o Programa de Aceleração do Crescimento. A previsão é
de que fique pronta em um ano e meio.
“São Paulo sabe que essa não é a melhor alternativa que ele escolheu, o
Jaguari. É a mais rápida”, afirma o secretário de Ambiente do Rio de
Janeiro André Corrêa.
Uma solução de emergência para uma crise anunciada. Olha essa
reportagem que o Fantástico exibiu em 2003: “Um fantasma assusta a maior
cidade do país. A falta d´agua. Quase vazios, os oito reservatórios não
dão mais conta de atender 18 milhões de usuários. O maior reservatório,
o da Cantareira. Está com um pouco mais de 6% da sua capacidade”. Isso
foi há 12 anos. E mesmo naquela época, longe de ser novidade.
O projeto que se pretende realizar agora foi condenado no ano passado.
Uma comissão de especialistas fez um estudo do Paraíba do Sul
encomendado pelo governo do estado do Rio de Janeiro. E desaconselhou
qualquer obra de transposição.
“Não podemos imaginar que podemos cobrir um pé e descobrir o outro. A
região metropolitana e o estado do Rio de Janeiro não têm um outro
manancial que possa ser suprido além do Paraíba do Sul. E com a
quantidade de usos que essa bacia já tem, uma retirada adicional, na
verdade, trará consequências imediatas”, afirma o pesquisador da
Coppe/UFRJ Paulo Carneiro.
No ano passado, o governo do Rio de Janeiro foi contra a obra. Agora, mudou de opinião.
“Nós queremos ajudar São Paulo. Não vou ficar pautado por um estudo em uma situação de emergência”, defende André Corrêa.
O secretário estadual de Ambiente defende que a obra seja feita. Mas
que só entre em funcionamento se o nível da água voltar a subir. “Vai
depender das condições do rio. Nós estamos falando de uma obra que vai
levar, no mínimo, um ano e oito meses”, diz o secretário de Ambiente
André Corrêa.
Fantástico: Isso não se torna uma obra obsoleta?
André Corrêa: Ela em algum momento...Eu acredito que em algum momento nós vamos recuperar os reservatórios.
André Corrêa: Ela em algum momento...Eu acredito que em algum momento nós vamos recuperar os reservatórios.
O governo de São Paulo garante que a transposição não vai prejudicar
ninguém. “Essa obra não vai trazer nem bem e nem mal para o Rio de
Janeiro. Essa obra é uma obra neutra”, afirma o secretário de Saneamento
e Recursos Hídricos de São Paulo, Benedito Braga.
Uma segunda fase da obra prevê um sistema de tubos que faria o caminho
de volta. Levar água do Sistema Cantareira para o Paraíba do Sul. “Eu
acredito que é algo que dificilmente vai acontecer”, afirma Edilson
Andrade.
O problema do Paraíba do Sul só se agrava. Ernesto é um ambientalista
que dedica a vida ao Paraíba do Sul. Ele sobrevoou o rio em agosto. “O
rio estava 2 metros abaixo do normal”, conta.
Semana passada, fez nova viagem pelo mesmo percurso. “Até metade da
trajetória é uma seca violenta. Chamou mais atenção foi o aparecimento
de mais ilhas. Ilhas que eu digo, de assoreamento. E a seca".
Do ar, não se vê mais só um rio. Se vê uma crise, cada dia mais grave. E
entre projetos, licitações e discussões, uma pergunta ainda sem
resposta: E se essa água acabar?
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