Taxa de homicídios de mulheres caiu em 2007, influenciado por Lei Maria da Penha, mas após impacto imediato, mortes retomam crescimento; estudo também revela que morrem 66,7% mais mulheres negras do que brancas no Brasil.
Dezoito anos de idade, negra e morta dentro de casa. A frase descreve
um perfil comum das mulheres vítimas de violência no Brasil, segundo
dados de um estudo publicado nesta segunda-feira pela Faculdade Latino
Americana de Ciências Sociais (Flacso).
De autoria do sociólogo argentino Julio Jacobo Waiselfisz, radicado no
Brasil, o Mapa da Violência 2015 - Homicídio de Mulheres no Brasil
analisa dados oficiais nacionais, estaduais e municipais sobre óbitos
femininos no Brasil entre 1980 e 2013, passando ainda por registros de
atendimentos médicos.
Em 2013, no último ano levado em conta pelo estudo, o maior índice de
mortes registrado foi entre mulheres de 18 anos: 3,6% dos 4.762 dos
óbitos (168 mulheres). É a incidência mais alta de assassinatos dentro
do que foi traçado pelo estudo como a faixa etária mais perigosa para as
mulheres - que vai dos 18 aos 30 anos de idade e responde por 39% do
total de homicídios.
O que o autor chama de "domesticidade" da violência contra a mulher é
ilustrada pelo perfil dos agressores, com base em dados do Sistema de
Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde,
que registra os atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) ligados à
violência. Parentes imediatos, parceiros e ex-parceiros são responsáveis
por quase sete em cada dez atendimentos médicos. Entre mulheres jovens,
namorados e maridos são responsáveis por 50,7% das agressões.
Essa nova geração de vítimas, em que parte das mulheres atingiu a
maioridade após a Lei Maria da Penha, parece não estar se beneficiando
da maior proteção oferecida pela legislação. Para Waiselfisz, as
estatísticas mostram a necessidade de mais esforços na aplicação da lei,
sobretudo no que diz respeito aos passos posteriores às denúncias e
ocorrências.
Domesticidade
O Mapa da Violência sugere que o impacto da Lei Maria da Penha, cuja entrada em vigor completa 10 anos em 2016, foi diluído pela ausência de políticas públicas e mecanismos judiciários mais extensos para coibir as agressões, em especial a punição de agressores. Embora a legislação tenha registrado um efeito "inibidor" promissor imediato nos índices de violência, simbolizado por uma queda no índice de mortes - de 4,2 óbitos por 100 mil habitantes para para 3,9 entre 2006 e 2007 -,os casos de violência voltaram a crescer a partir de 2008 e e atingiram 4,8 mortes por 100 mil habitantes em 2013.
O Mapa da Violência sugere que o impacto da Lei Maria da Penha, cuja entrada em vigor completa 10 anos em 2016, foi diluído pela ausência de políticas públicas e mecanismos judiciários mais extensos para coibir as agressões, em especial a punição de agressores. Embora a legislação tenha registrado um efeito "inibidor" promissor imediato nos índices de violência, simbolizado por uma queda no índice de mortes - de 4,2 óbitos por 100 mil habitantes para para 3,9 entre 2006 e 2007 -,os casos de violência voltaram a crescer a partir de 2008 e e atingiram 4,8 mortes por 100 mil habitantes em 2013.
Tal número coloca o Brasil como o quinto país que mais mata mulheres no
mundo, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde citados no
Mapa da Violência. Apenas El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia são
mais letais em grupo de 83 nações estudadas.
"A Lei Maria da Penha é um marco importante, especialmente porque
facilitou a forma de se denunciar abusos e transferiu o ônus da prova
para o agressor. Mas ela precisa ser implementada de forma apropriada, e
o caminho é longo. Estamos falando de questões como o estabelecimento
de centros de proteção para as vítimas e mesmo um sistema judiciário que
aja com mais eficiência na punição e apuração dos crimes, bem como a
mudança de uma mentalidade machista no país de uma forma geral", afirma o
sociólogo.
É importante ressaltar que os números gerais levam em conta casos em
que mulheres foram vítimas também da violência urbana, que ainda é
responsável pela maioria das mortes registradas nos dois sexos. Porém,
enquanto quase metade dos homicídios masculinos ocorre na rua (48,2%) e
apenas 10% no domicílio, entre as mulheres a proporção é
assustadoramente mais equilibrada: 31,2% e 27,1%, respectivamente.
"Isso revela a alta domesticidade dos homicídios de mulheres. Elas são muitos mais agredidas no lar", afirma Waiselfisz.
O número de mortes cresceu 22% entre 2003 e 2013, mas houve alargamento
desproporcional também no que diz respeito ao perfil racial das
vítimas: enquanto o número de mortes de mulheres brancas caiu quase 10%
entre 2003 e 2013 (de 1747 para 1576), os casos de mulheres negras
saltaram mais de 54% no mesmo período, passando de 1864 para 2875.
Segundo o sociólogo, os números mais recentes mostram que morrem 66,7% mais mulheres negras do que brancas no Brasil.
Waiselfisz apresentou também uma panorama de certa forma surpreendente
da distribuição geográfica da violência contra a mulher no país: há
enorme diversidade de situações entre regiões e Estados. Roraima, por
exemplo, foi o Estado "mais violento" contra mulheres, apresentando um
índice de 15,3 homicídios femininos por 100 mil habitantes, mas que o
triplo da média nacional. São Paulo, Santa Catarina e Piauí, por outro
lado apresentaram apenas 3/100 mil, ficando no fundo da lista.
O argentino também notou que o "efeito Maria da Penha" reduziu as taxas
de mortalidade em apenas cinco Estados brasileiros (Rio de Janeiro,
Rondônia, Espírito Santo, Pernambuco e São Paulo), enquanto as unidades
de federação restantes cresceram em ritmos extremamente variados.
Outra disparidade acentuada foi no plano municipal: ainda que algumas
capitais brasileiras apresentem índices bem altos de homicídios
femininos, são os pequenos municípios em que as mulheres se encontram
mais vulneráveis. Barcelos (AM), que tem população feminina em torno de
12 mil pessoas, registrou uma assustadora marca de 45,2 homicídios por
dez mil mulheres e foi o mais violento do país. Nenhuma capital apareceu
nas primeiras 100 posições.
"É difícil indicar uma tendência nacional, e as oscilações estão
relacionadas a circunstâncias locais, que precisam ser estudadas
particularmente. O que parece estar ocorrendo aqui é que políticas de
contenção da violência feminina parecem estar funcionando mais
apropriadamente em grandes cidades, onde na teoria há melhor
aparelhamento do Judiciário", pondera Waiselfisz.
Para o sociólogo argentino, porém, há um culpado claro: a impunidade.
"Pesquisas especializadas mostram que o índice de elucidação dos crimes
de homicídios é baixíssimo no Brasil, variando entre 5 e 8%. Apenas nos
EUA, ele é de 65%. Se a impunidade prevalece amplamente nos homicídios
em geral, ela deve ser norma também nos casos de homicídios de mulheres.
Existe uma certa normalidade da violência contra a mulher no Brasil".
Nenhum comentário:
Postar um comentário