Moradores da cidade conseguiam ler, escrever, dirigir e trabalhar. Mas, depois do mutirão da cirurgia de catarata, a vida dessas pessoas mudou para pior.
A sala de cirurgia esconde um mistério. Vinte e três pessoas com
catarata passaram por ela em um mesmo dia com uma só esperança: voltar a
enxergar como antes. Agora, 12 delas dizem que estão cegas de um olho.
O mutirão da cirurgia de catarata aconteceu no dia 6 de agosto no
Hospital Municipal de Barueri, na Grande São Paulo. A intenção da
prefeitura era melhorar a visão de um grupo de moradores da cidade, a
maioria com mais de 60 anos, que tinha a doença, mas ainda conseguia
ler, escrever, dirigir e até trabalhar. Só que, depois da cirurgia, a
vida dessas pessoas mudou para pior. A catarata é uma doença que
acontece quando o cristalino, a lente natural dos nossos olhos, vai
escurecendo e fica opaco.
A cirurgia, considerada simples, consiste em trocar o cristalino
embaçado por uma lente artificial. Segundo documentos da investigação do
hospital, os problemas começaram ainda durante as cirurgias.
Dezoito pacientes reclamaram de muita dor. Nos dias seguintes, o
próprio médico que fez a operação, doutor André Vidoris, detectou um
problema ainda mais grave: um ferimento na córnea em 20 dos 23
pacientes. Das 23 pessoas que fizeram a cirurgia da catarata em Barueri,
o Fantástico conseguiu reunir 11 delas. Todas têm mais de 60 anos e
tinham problemas sérios de visão. Fizeram a cirurgia na esperança de
enxergar melhor. Como o aposentado José de Souza Santos.
Fantástico: Como é que o senhor enxergava antes da cirurgia?
José de Souza Santos: Dava para ler, escrever, dirigir. Dava para levar uma vida mais ou menos normal. Agora não dá, porque esse cegou de uma vez.
Fantástico: O senhor não enxerga nada?
José de Souza Santos: Nada, nada, nada.
Fantástico: O senhor não vê um vulto, um clarão, nada.
José de Souza Santos: Se botar a mão aqui aí fica escuro aí não enxerga nada.
Fantástico: O senhor sentiu dor na hora da cirurgia?
José de Souza Santos: Senti.
Fantástico: Como é que foi essa dor?
José de Souza Santos: Aquela pontada assim. Parece que quando ele colocou a lente no olho aqui e empurrou, doeu que eu gritei.
José de Souza Santos: Dava para ler, escrever, dirigir. Dava para levar uma vida mais ou menos normal. Agora não dá, porque esse cegou de uma vez.
Fantástico: O senhor não enxerga nada?
José de Souza Santos: Nada, nada, nada.
Fantástico: O senhor não vê um vulto, um clarão, nada.
José de Souza Santos: Se botar a mão aqui aí fica escuro aí não enxerga nada.
Fantástico: O senhor sentiu dor na hora da cirurgia?
José de Souza Santos: Senti.
Fantástico: Como é que foi essa dor?
José de Souza Santos: Aquela pontada assim. Parece que quando ele colocou a lente no olho aqui e empurrou, doeu que eu gritei.
Aparecido Apolinário da Silva: Eu falei, doutor, está
doendo. Ele falou, não, isso aí é normal. Aí já saí da mesa ali. E
continuou doendo. E os outros continuaram fazendo a operação.
Fantástico: E hoje como é que o senhor está enxergando?
Aparecido: Não estou enxergando nada. Tampo essa aqui, eu não vejo o senhor.
Fantástico: E hoje como é que o senhor está enxergando?
Aparecido: Não estou enxergando nada. Tampo essa aqui, eu não vejo o senhor.
A maioria dos pacientes já se aposentou. Mas não era o caso do
motorista Xisto Garcia Lopes, de 65 anos. “Quarenta e sete anos só de
motorista, fazendo São Paulo - Rio. Estou pendurado. E eu não sou
aposentado, eu trabalho ainda. Eu sei que eu pus um dedo, mas se você
pôr aí, eu não vejo. Levei já uns quatro, cinco tombos. Quando eu pensei
que estava no último degrau, estava faltando um para descer”, conta o
motorista.
Até o fim do mês passado, o Hospital Municipal de Barueri era
administrado por uma organização social chamada Pró-saúde. A
investigação da empresa descartou contaminação do material usado nas
cirurgias.
“Existe um processo biológico, um processo físico que mostra se esses
materiais realmente estavam esterilizados. E nós temos essa comprovação
de que os processos estavam validados, estavam ok”, diz Alba Lucia
Muniz, da Pró-saúde.
O dano na córnea dos pacientes foi causado, segundo o hospital, por um problema chamado síndrome tóxica do segmento anterior.
O Fantástico conversou com um especialista, que não trabalha com a equipe de Barueri, para explicar.
“Síndrome tóxica do segmento anterior é uma complicação rara, mas
possível de acontecer depois da cirurgia da catarata. Ela decorre da
irritação das estruturas do olho quando entra, durante a cirurgia,
produtos químicos, às vezes, restos de sabão e substâncias de limpeza,
ou mesmo outras substâncias que não deveriam estar presentes nos
líquidos que o cirurgião utiliza durante a cirurgia para retirar a
catarata e colocar depois a lente intraocular”, explica Rubens Belfort
Jr, professor de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina.
Para o subsecretário de saúde de Barueri, a principal suspeita é uma
alteração em algum dos anestésicos usados. “Você tem 18 pacientes que
você anestesia e que se queixam de dor intensa e passa. E depois você
vai avaliar 18 de 12 e eles apresentam uma síndrome tóxica. Aí a gente é
obrigado a começar pensando por aqui”, diz Eduardo Gomes de Menezes,
subsecretário de saúde de Barueri.
Na listagem de produtos usados na cirurgia estão três anestésicos. Um
deles é produzido pela indústria farmacêutica Alcon. Os outros dois pela
Cristália. As duas empresas mandaram notas informando que fizeram
testes e não detectaram qualquer problema nas anestesias usadas em
Barueri.
O médico que fez a cirurgia também se manifestou por nota. Ele diz que aguarda a apuração dos fatos.
O subsecretário de saúde não acredita em erro do cirurgião. “Se você
tem uma pessoa que erra e sabe que foi, ela vai tentar, de alguma forma,
acobertar ou levantar o mínimo de poeira possível. Não vai notificar a
diretoria que isso aconteceu e pedir apuração. Estamos dando toda a
assistência para aqueles que tiveram um desfecho mais difícil de perda
de visão possam ser encaminhados para o transplante de córnea e ter a
situação deles amenizada”, diz o subsecretário de saúde.
Enquanto aguardam, os pacientes precisam da ajuda da família para tudo.
“Estou sendo carregada pela mão das filhas”, conta a aposentada
Terezinha Ângelo de Menezes.
Seu Antônio, aos 78 anos, lamenta não só a falta da visão, mas também a
perda do único passatempo que tinha. “Antes a gente brincava até de
'voleizinho' adaptado. Era a única diversão que a gente tinha. Mas
infelizmente a vida é assim, né. Nem tudo dá certinho”, lamenta ele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário