AlarmanteAnonimato faz das mídias sociais um ambiente favorável para ataques.
Agência Brasil
Cenário pede atenção ao ambiente on-line. (Foto: Reprodução)
BRASÍLIA
- Apesar de ser um grave problema de saúde pública, com tendência de
crescimento nos próximos anos, pois acompanha a expansão de doenças como
a depressão, o suicídio ainda é um tabu no Brasil. Dificuldade de obter
dados, preconceito e medo de estimular a prática ao falar sobre ela são
fatores que dificultam a discussão e o desenvolvimento de políticas
públicas, segundo estudos e especialistas consultados pela Agência Brasil.
Neste
ano, o silêncio que ronda o tema foi quebrado com a divulgação do
Baleia Azul, o jogo virtual que envolveria o estímulo às mutilações
corporais de jovens e até ao suicídio. O game virou tema de novela e
mesmo de operação da Polícia Federal, que prendeu acusados de aliciar
crianças e adolescentes por meio do Baleia Azul. O fato trouxe à tona
uma realidade comum: a ocorrência do assédio virtual, também chamado de cyberbullying.
Além
do jogo, casos como o do jovem americano Tyler Clementi, de 18 anos,
que se suicidou após ter fotos íntimas divulgadas pelo colega de
dormitório, e da britânica Hannah Smith, de 14 anos, que se matou após
receber ofensas na rede, têm chamado a atenção de pesquisadores e
instituições públicas.
Segundo o integrante
do Grupo de Estudo e Pesquisa em Suicídio e Prevenção (GEPeSP), Pablo
Nunes, não há estudos confiáveis que comprovem a ligação direta entre
crescimento do número de suicídios e ataques nas redes sociais. No
entanto, indícios dessa relação pedem atenção ao ambiente on-line.
“O fato é que a popularização da internet tem
propiciado a circulação de informações sobre métodos de se suicidar e a
proliferação de grupos de pessoas em sofrimento. Nesses grupos, os
participantes discutem meios, lugares e 'encorajam' uns aos outros. No
caso da automutilação, são centenas as páginas e grupos dedicados. Em
muitas escolas o fenômeno já virou problema sério”, explica Pablo Nunes.
Além disso, o pesquisador destaca que o anonimato faz das mídias sociais um ambiente favorável para ataques.
Segundo
o Safernet, organização não governamental (ONG) que recebe denúncias
sobre crimes que ocorrem na internet, em 2016, 39,4 mil páginas da
internet foram denunciadas por violações de direitos humanos, que
incluem conteúdos racistas, de incitação à violência, que contém
pornografia infantil, etc.
A ONG, que também oferece apoio às vítimas de crimes que ocorrem na internet,
registrou no ano passado 312 pedidos de orientação e auxílio
relacionados à intimidação ou discriminação na rede. A mesma quantidade
de solicitações de apoio às vítimas do vazamento de fotos e vídeos
íntimos, prática conhecida como sexting, foi registrada. Foi a primeira
vez que o cyberbullying ocupou o primeiro lugar no ranking dos
motivos que levaram a pedidos de ajuda. Já 128 casos relataram
sofrimento devido a conteúdos de ódio e violência.
Ataques virtuais
A
consultora em políticas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais) e Direitos Humanos Evelyn Silva, de 43 anos, foi
diagnosticada com depressão severa há mais de dez anos. Desde julho, a
situação piorou depois que sofreu uma série de ataques na rede.
Colunista de um site feminista, ela escreveu um texto sobre problemas
recorrentes em relações entre lésbicas e bissexuais. A repercussão do
texto veio junto a diversas mensagens violentas.
“O
tema é polêmico, mas foi muito mais do que isso. Eu recebi mensagens de
violência muito complicadas, de pessoas que eu não conheço, a maior
parte da mensagem tinha cunho lesbofóbico. Chegaram a ameaçar a revista
porque ela estaria dando guarida para uma 'bifóbica'”, relata a
militante de direitos LGBT, que já havia sofrido ameaças de morte e
“estupro corretivo” nas redes vindas dos chamados haters, pessoas que
postam comentários de ódio na internet.
“É
ódio puro. As pessoas não têm a menor ideia de quem você é, mas elas
estão ali colocando para fora uma opinião que elas nunca expressariam
pessoalmente”.
Muitas mensagens evidenciavam
que as pessoas não haviam lido o texto, pois faziam referência a temas
não abordados nele. Evelyn também foi alvo de uma série de pedidos de
bloqueio no Facebook, que acabou suspendendo sua conta por 24 horas e,
depois, por 72 horas. Apesar de ter buscado explicar a situação à
empresa, não obteve nenhuma resposta.
Depois
dos ataques, Evelyn decidiu se afastar das redes sociais, o que não
impediu, entretanto, que ela enfrentasse crises de transtorno de
ansiedade e pânico, o que dificultaram atividades básicas como trabalhar
e sair de casa. “Bati no fundo do poço”, afirma.
Evelyn
revela que outros problemas ajudaram a reforçar o quadro de doenças e
que ela chegou a pensar em cometer suicídio. Para evitá-lo, ela passa
por um tratamento com monitoramento, uma técnica que envolve a presença
constante e acolhedora de uma rede de amigos e familiares.
A
consultora acredita que falar e expor a situação é importante para
quebrar o tabu sobre o tema. A opinião é compartilhada por Pablo Nunes.
“Preferir manter o suicídio no desconhecimento auxilia na manutenção do
tabu, sendo mais difícil traçar ações de prevenção e sensibilização”.
O
pesquisador explica que uma cobertura responsável da mídia, em vez de
produzir o temido efeito de contágio, é considerada importante pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), que oferece manuais e treinamento
para jornalistas sobre como reportar casos.
Ao falar sobre suicídio, é preciso que também sejam apontados mecanismos de prevenção.
No
ambiente da rede, isso começa com a adoção de mecanismos de proteção,
como uso de aplicativos seguros para compartilhamento de fotos íntimas
para pessoas conhecidas; cuidados com senhas; denúncias de agressores;
busca de delegacias especializadas, quando necessário, e,
principalmente, informação.
“Um adolescente
que sabe como funciona determinado aplicativo, que entende as questões
relacionadas ao anonimato e enxergue os potenciais prejuízos de um
vazamento de informações pessoais possa ter, será um indivíduo que
certamente prevenirá que situações como essas aconteçam”, defende o
pesquisador.
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