Direitos das mulheres
Expectativa é reduzir casos de feminicídio e aumentar conscientização.
Agência Brasil
Projeto torna crime atos libidinosos em locais e transportes públicos. (Foto: Reprodução)
BRASÍLIA
- Especialistas e profissionais que atuam na rede de proteção dos
direitos das mulheres comemoraram a criminalização de abusos sexuais e
atos libidinosos cometidos em locais e transportes públicos, além da
divulgação de cenas de estupro.
Há dois dias, o projeto de lei que torna crime tais condutas foi aprovado no Senado e aguarda sanção presidencial.
Com
a aprovação do projeto que altera a legislação penal brasileira para
ampliar o rol de atos considerados crimes cometidos contra a dignidade
sexual, a expectativa de operadores jurídicos e de organizações da
sociedade civil é de que as penas previstas possam ter um efeito de
inibição das práticas criminosas e punição mais adequada dos agressores.
“É
algo que vem fortalecer nossas ações. [O projeto] ampliou a
identificação de crimes que antes era constrangedor mencionar, porque
não havia registro no Código Penal. Temos agora como redefinir critérios
de denúncia, de fiscalização e, consequentemente, de atuação, tanto das
políticas públicas, quanto da sociedade”, avaliou Regina Célia Barbosa,
fundadora e vice-presidente do Instituto Maria da Penha (IMP).
Para
Regina Barbosa, a criminalização de atos de depravação e lascívia
contra mulher é fruto do amadurecimento da Lei Maria da Penha, que
completou ontem 12 anos. “A Lei Maria da Penha revelou tanta coisa que
estava escondida, que era abafada nas relações. Tudo isso que acontece
hoje não é novidade, mas a lei passa a revelar essa situação.”
Lacunas preenchidas
A
promotora de Justiça e coordenadora do Grupo de Atuação Especial de
Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid) do Ministério Público
Estadual de São Paulo, Sílvia Chakian, destacou a definição do tipo
penal médio da importunação sexual para adequar a conduta dos
molestadores, que antes ou eram enquadrados na contravenção mínima
prevista para importunação ofensiva ao puder ou no crime hediondo do
estupro.
“A gente segue um modelo das
legislações penais internacionais que contemplam esse tipo penal
intermediário e dá resposta a uma sensação muito ruim que a sociedade
manifestava, de ineficiência do direito penal, de proteção ineficiente
por parte do Estado. Então, a criação desse tipo penal era urgente”,
analisou Sílvia Chakian.
Para a promotora, a
dificuldade de punir comportamentos libidinosos praticados em público
com a gravidade devida foi escancarada no caso emblemático do homem que
ejaculou em uma mulher dentro de um ônibus em São Paulo, no ano passado.
Sílvia
Chakian também ressaltou a importância da criminalização da “vingança
pornográfica” – quando imagens íntimas são divulgadas por
ex-companheiros com o objetivo de vingar ou humilhar a mulher pelo fim
da relação. Pelo projeto, é crime a divulgação de cenas de estupro, sexo
ou pornografia.
“Trabalho numa vara de
violência doméstica, eu me deparo muito com casos onde há o rompimento
da relação, e o sujeito em poder de imagens, vídeos de conteúdo intimo
da ex-companheira acaba divulgando como forma de vingança, humilhação,
danos à imagem da mulher”, relatou a promotora.
Para
ela, outro aspecto importante do projeto é a definição de agravamento
das penas previstas para casos de estupro coletivo, quando é cometido
por vários agressores, e do chamado estupro corretivo, que geralmente é
cometido por motivação homofóbica.
“É o
estupro, por exemplo, das mulheres lésbicas, uma dupla violência. É
muito interessante que o legislador tenha respondido a altura da
gravidade desses crimes.”
Cultura do estupro x cultura do respeito
A
professora universitária Regina Célia Barbosa espera que a punição
adequada e a adoção de uma política de conscientização da sociedade
contribuam para evitar o agravamento da violência contra a mulher e
casos de feminicídio.
“No momento em que
realmente a mulher começa a ter consciência de que aquela forma de
carinho não é carinho, aquela forma de carícia não é carícia, mas é
malícia, e se torna agora uma importunação sexual e no momento em que eu
recuso, posso sim vir a ser uma próxima vítima do feminicídio. Então,
se consigo identificar isso antes e tem uma lei que ampare, a
possibilidade aí é de inibir.”
Regina
Barbosa acrescentou que a inovação da lei é fundamental para que o país
não trate mais dessas questões de forma moralista, mas com respeito aos
direitos das mulheres.
“Esse aspecto
jurídico fortalece as nossas lutas no que se refere à ideia e ao valor
do reconhecimento da nossa condição feminina enquanto cidadã. O que
precisamos ainda continuar lutando, enfrentando, combatendo é a
mentalidade machista”, disse a professora.
Para
a promotora Sílvia Chakian, a legislação penal é parte dessa
transformação da cultura, mas sem a mudança de consciência da sociedade,
a lei sozinha não tem poder para interromper todo o ciclo de violência
que cometido contra a mulher.
“As mulheres
ainda hoje são mortas, são estupradas, não são resguardadas em seus
direitos humanos mais básicos. O direito penal deve estar atento à
realidade, mas também é preciso a adoção de novas posturas.”
Sílvia
Chakian destacou que não adianta, por exemplo, uma lei que estabelece
que matar mulher por circunstância de gênero é feminicídio. Ela
ressaltou que se uma mulher gritar por socorro na presença de câmeras e
vizinhos, como ocorreu recentemente com a advogada morta supostamente
pelo marido no Paraná, é preciso interferir.
“Se
a sociedade ainda hoje não interfere, é sinal de que essa sociedade
acredita que a questão da violência contra a mulher é normal ou uma
questão familiar, não é uma questão de Estado e de responsabilidade
nossa, da sociedade.”
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